E aí, fechou?

E aí, fechou?

Um fim de semana, uma locadora e uma estória de amor...

Um fim de semana, uma locadora e uma estória de amor...

Janeiro de 1994, Locadora Laser próxima à Padoca do Carlão, passando pela loja de roupas e calçados onde a mãe de Carlos sempre o fazia esperar por 2 horas até ela provar 15 sapatos e não levar nenhum. Era sexta feira, dia de alugar 2 fitas e ganhar uma de graça. Seu Dynavision 3 estava devidamente “desencaixado” e esperando pelos cartuchos de 8 bits que lhe esquentariam a placa e quebrariam seus controles. Não era uma caminhada longa, atravessaria 2 ruas sem sequer trocar de calçada. Cada passo dava ainda mais dor na barriga, o suor caía como se estivesse na quadra de futsal. Estava sem camiseta, para não ficar fedido.

Aquela respirada na porta antes de entrar, devagar, já havia tropeçado no degrau e não queria passar essa vergonha de novo. Tinha que permanecer calmo, olhar os cartuchos com frieza, sem pressa. Na verdade ele não estava olhando nada. Ficava parado com os olhos fechados esperando pelo som daquela voz que lhe dava calafrios. Boa tarde, tudo bem? Perdia o ar, segundos transformavam-se em séculos até que saiam de sua boca 3 letras: O-oi! Ele se virava rápido todas as vezes, e todas as vezes ela estava lá, atrás do balcão organizando as fitas devolvidas e sorrindo como um anjo.

E aí, fechou?
Bom dia, minha princesa.

Seu nome era Mirella. Morena, cabelos longos e negros. Olhos castanhos. Mais alta que ele, (um charme) lábios rosados e corpo de mulher. Sabia as preferências de todos os clientes, sabia quais filmes indicar e quais os melhores jogos de cada console. Sabia explicar como se usa a fita que limpa o cabeçote do vídeo cassete e como funcionam as fichas de cada cliente. Sabia ter paciência para explicar para aquele adolescente apaixonado todas essas coisas quantas vezes fossem necessárias. Ela era mais velha, estava na faculdade e ele ainda no esquema “escola, cinema, clube e televisão”.

Não, não eram os amantes da famosa música e nem repetiriam seu romance. Ela amava o que fazia, via como uma forma de levar entretenimento aos seus amigos e clientes. Relevava as cantadas e tinha um patrão justo e respeitador. Sr. Vieira. Pagamento justo (curto) porém, horário bom para estudar e ajudar em casa. Bom para quem sonhava em ser atriz fazendo faculdade de pedagogia. Ela amava o que fazia. Ele amava ela. Ele sofria por ela.

E aí, fechou?
As dores do amor…

Certa vez juntou o trocado do pão por semanas para comprar uma caixa de bombons, e ver a mesma ser dividida com os clientes que ali estavam. Era dela, ele pensou, fazer o quê? Mandou flores sem cartão (não tinha dinheiro para os dois) e viu o namorado ganhar todo crédito. Escreveu poemas que nunca foram lidos, andou pela frente da casa dela num domingo a tarde sem nunca apertar a campainha. Foi até a faculdade dela a pé, apenas para ser barrado na porta. Só entra com carteirinha. Cartas nunca mandadas, declarações de amor eterno nunca ditas e jogos ruins alugados aos montes na embriaguez do perfume doce vindo de Mirella.

Ela sempre segurava um cartucho novo, recém adquirido pela locadora, para seu cliente especial. Ela gostava dele, apesar de atabalhoado e as vezes fedido, o menino era educado, prestativo, (buscava o seu almoço sempre que pedia) respeitador e sempre ficava vermelho quando lhe encostava as mãos no ombro ou para passar o recibo. Não entrava na parte adulta, não fazia comentários maldosos e olhava nos seus olhos, sempre nos olhos quando conversavam. Não sabia escolher jogo entretanto, um dia faria uma mulher muito feliz.

3 jogos. Super Mario Bros. 3, Megaman 2 e uma fita nova com um menino de faixa na cabeça e marreta nas mãos. Não conhecia. Mas tinha o perfume dela. Já bastava. Voltou para casa feliz e ao mesmo tempo ansioso pela Segunda- Feira. Mal jogou os 2 primeiros jogos. Acabou “viciado” no jogo do menino de marreta, cheirar a fita não era parte do jogo e sua mãe parou de perguntar sobre isso fazia tempo. Terminou entre trancos e barrancos numa odisséia “marretônica” sem tradução ou guia. Decorou cada fase para relatar com calma todos os seus feitos naquela aventura recebida das mãos de sua amada.

E aí, fechou?
Hammerin’ Harry. E não é que o jogo é bom mesmo!

Segunda-feira, dormiu acordado nas aulas imaginando se seu amor podia “marretar” o coração de Mirella (zerou na prova de Matemática) até que ela o amasse também (chorou) e logo depois da aula flutuou até a locadora para devolver as fitas, colocou-as sobre o balcão, procurou sua “Zelda” (ela não precisava saber) e não encontrou. Perdeu naqueles segundos a esperança e a alegria que o trouxeram até ali. Pensou em gritar, pular o balcão e ameaçar de morte (ou coisa pior) o Sr. Vieira pela demissão. Foram os 5 segundos mais angustiantes de sua vida, até serem interrompidos pela voz dela e a pergunta: E aí, fechou?

Quem disse que o amor precisar ser correspondido para ser amor?

Um mega abraço.

Até semana que vem…


[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Nerd, nostálgico, pai e professor. Reclamador profissional com PHD em Harvard. Conheço o Mario, e daí? Assopra a fita e bora jogar! Canal Juninhos Fun Club no Youtube!!!