E se ?

E se ?

Jaqueline voltava pra casa no ônibus das 18 horas de todo santo dia, jogando seu querido 3DS. Mario 3D Land. Nada muito diferente de todos os outros dias. Já havia terminado o mesmo jogo uma dúzia de vezes. Sabia de cór e salteado todas as manhas de todas as fases, todos os pontos fracos de todos os chefes e mesmo assim descobria alguma coisa nova ao dar “start” no seu amado portátil. Na rotina do dia a dia nada era novo e tudo sempre mudava.

O senhor que sempre se sentava a sua frente hoje não estava tossindo, ele respirava fundo com olhar longe e papéis de exames médicos sobre as pernas. Suas mãos não batiam como de costume, impacientes no vidro como se quisessem dar um turbo naquele transporte coletivo. Ele apenas fitava as árvores e carros passando como se já tivesse visto demais aquilo que não voltaria a ver. Cansado, mas tranquilo.

O casal da segunda fileira a esquerda não estava discutindo. Ela estava encostada no ombro dele, com um sorriso nunca antes mostrado em nenhuma viagem anterior. Ele parecia em paz. Não falava alto, não erguia o dedo acusador e nem olhava cabreiro para os outros passageiros. Apenas olhava pra ela e tocava sua barriga. Ambos tinham olhares tão felizes que uma lágrima permanecia pendurada no canto dos olhos, suspensas, esperando o momento exato para caírem juntas. Cansados, mas felizes.

A boa senhora que sempre lhe sorria e sentava do seu lado direito, dessa vez, não olhou para ela. Passou direto. Nervosa, sentou no fundo. Brigando com o celular. Discutindo por dinheiro e por dívidas. Cobrando alguém por um empréstimo feito em seu nome para ajudar alguém de sua família. Percebeu que era observada e abaixou o tom. Chorando e nervosa. Jaque pensou em ir até lá mas a senhora se virou para a janela. Queria ficar só. Cansada e irritada.

Tantas pequenas histórias com seus grandes enredos vividos por pequenas pessoas com problemas grandes demais. Tantos outros entravam e saíam do mesmo ônibus com suas dores e amores sem compartilhar nada com aquelas pessoas que também não compartilhavam nada com ninguém. Estranhos com sentimentos estranhos num lugar comum com muita coisa em comum. A cada fase do seu jogo, a cada Koopa derrotado, Jaque criava na sua cabeça explicações para tanta solidão coletiva.

E se um dia todos resolvessem se falar e trocar histórias? E se o problema de um fosse a solução para outro? E se apenas uma boa notícia, como um bebê pudesse aplacar a dor de perder a casa ou uma doença terminal ? E se o mundo saísse da solidão coletiva e vivesse num coletivo de cooperação? E se trocássemos o “single player” pelo multiplayer de ajuda ao próximo sem esperar nada em troca?

Hora de descer. O casal se beijava e parecia feliz. Bernardo ele disse. Ela concordou. A senhora havia parado de chorar, mas ainda estava enraivecida, Jaque não queria ser o Mario que enfrentaria aquela Bowser ao chegar em casa. Do lado de fora ela viu o senhor encostado no vidro, de olhos fechados, a cabeça balançando. Ele parecia em paz. Descansado e em paz.

Até semana que vem…

Um mega abraço !


[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Nerd, nostálgico, pai e professor. Reclamador profissional com PHD em Harvard. Conheço o Mario, e daí? Assopra a fita e bora jogar! Canal Juninhos Fun Club no Youtube!!!