Temos hoje na indústria de games gráficos ultra realistas, gameplays diferenciadas, alto frame rate, ray-tracing e diversos outros termos estrangeiros que engrandecem a qualidade desse entretenimento e nos capta sua atenção. Por outro lado temos também um grande volume, provindo de empresas menores, que focam na qualidade do todo, mesmo sem gráficos realistas ou um frame rate tão alto, sendo capaz de nos manter entretidos tanto quanto os demais. Esse é o caso aqui. Com uma arte pixel incrível, focando seu publico nos nostálgicos jogadores de JRPG e unindo excelência em história e gameplay temos aqui aquele que foi, na minha opinião, a joia da coroa do ano de 2022: Chained Echoes de Matthias Linda.
Chained Echoes e suas Bases
Para começar a falar de Chained Echoes precisamos ter em mente o cerne nostálgico onde podemos ver que o jogo foi baseado: Chrono Trigger, Final Fantasy VI e Xenogears. Claro, houveram outras referências e não só de jogos mas também de outras mídias da cultura pop como o anime Fullmetal Alchemist, por exemplo. Mas caso tenha jogado os jogos acima mencionados verá muita referencia (ou easter-eggs caso prefira o termo em inglês) não só visualmente mas na narrativa de toda sua rica história.
História e Reviravoltas
A história parte de um clichê. Mas calma, um clichê não é algo ruim, clichê é o nome dado a uma forma metálica usada em máquinas hidráulicas para cortar peças em um formato específico. Em outras palavras, clichê é uma forma já validada e bem sucedida de se fazer algo em grande escala. Então se já algo validado e de sucesso, por quê não usar? Basta dar uns toques de personalidade aqui e ali, e é exatamente aqui (ou ali) que essa história brilha.
Temos um mundo que está passando por conflitos e guerras entre reinos (um clichê) mas nesse mundo fantástico e medieval (outro clichê) existem tecnologias perdidas e inexplicavelmente avançadíssimas no tempo (mais um aqui). Nesse mundo há magias, mas pouquíssimas pessoas são capazes de usá-las (outro aqui) e a aventura se passa em apenas um continente desse mundão de meu Deus chamado Valandis. Opa! Isso já não é tão comum… então vamos continuar.
Conforme a historia prossegue temos acesso a camadas mais profundas da mitologia desse mundo, das crenças, das motivações dos personagens, da camada cinzenta da moralidade de seus habitantes, da discrepância social explicita, do terror da guerra e da morte, das reviravoltas, daquilo que era certeza e então passa a não mais ser, do altruísmo disfarçado de egoísmo, do fim justificar o meio, da redenção e da culpa. Tudo isso junto contado de forma a te prender a atenção e a instigar a sua curiosidade pelos habitantes e pelos demais continentes desse mundo.
Inicia-se com um clichê, exibe-se uma menção magnífica a Chrono Trigger e aos poucos evolui para um mundo que reflete tudo que temos ou tivemos em nossa realidade além de profundas reflexões sobre as consequências de nossas decisões, perdão, abnegação, auto sacrifício e altruísmo.
O jogo possui as missões principais representadas com uma estrela no mapa mundo e poucas e bem divertidas missões secundárias representadas com um escudo azul. Nenhuma secundária se faz obrigatória, mas algumas podem trazer bons itens e até mesmo novos integrantes. Possui até mesmo, no decorrer da história, uma mecânica de recrutamento de NPCs para uma base. Conforme mais membros são recrutados alguns bônus são liberados. E prepare-se… Esse jogo possui também muito texto!
“É… Mesmo contendo clichês essa coisa toda aqui já vai ficando mais interessante”. E foi com essa premissa que dei início as melhores 51 horas de jogatina que tive recentemente.
Gameplay e Overdrive
Sendo um JRPG temos o kit básico implementado : Batalha por turnos, mapas explorativos, habilidades e personagens novos na progressão da história, missões principais e secundárias. Nada novo. Logo era de se esperar que a progressão do jogo fosse também mais do mesmo: Batalhas aleatórias ou batalhas com monstros no mapa onde fico pressionando o botão de confirmação e atacando sem nem ver o que esta acontecendo só pra ganhar experiencia e subir de nível logo. Mas não aqui meu jovem, não em Valandis.
Overdrive
O jogo não possui sistema de níveis e possui um fator estratégico muito forte nas batalhas: o Overdrive.
Essa barra superior serve para “medir a tensão da batalha”. Dessa forma ela pode te beneficiar, ou te atrapalhar enquanto luta, dependendo da localização do cursor branco nos seguintes estágios: Amarelo, Verde ou Vermelho
- Amarelo: No amarelo temos o estágio neutro da batalha. As batalhas iniciam nesse estado e cada ação tomada por sua equipe e inimigos (exceto o uso de itens recuperativos ou de “debuff”) fazem o cursor andar nessa barra. O cursor cinza representa para onde o cursor branco se moverá após a ação realizada.
- Verde: Nesse estágio estamos na zona de batalha chamada OVERDRIVE onde as ações são favoráveis ao seu time. Enquanto o cursor se mantiver no verde seu time tem bônus de ataque e defesa além de menor consumo de Technical Points (ou TP) para usar as habilidades. Da mesma forma, as ações tomadas movem o cursor e caso chegue no próximo estágio…
- Vermelho: Aqui estamos em uma zona de risco chamada OVERHEAT! Aqui é o oposto da zona verde, seu time tem um leve debuff no ataque e defesa e todas as habilidades custam mais do que o normal para serem usadas. Não é recomendado ficar nessa área.
“Ta, entendi… então se eu ficar “spamando” o botão de confirmação e só atacar significa que terei desvantagem na batalha. Como faço então para não cair nisso?” Use da estratégia junto das habilidades corretas nos momentos oportunos. Veja o exemplo abaixo:
Apos a barra de Overdrive sair do estágio amarelo um ícone com um numero será exibido. Esse ícone representa o tipo de habilidade e o número representa quantos turnos essa habilidade terá efeito. Ao usar uma habilidade igual ao do do ícone o cursor retrocederá consideravelmente na barra de Overdrive e dessa forma você pode garantir se manter sempre (ou a maior parte do tempo) no estágio Verde. Após o uso da habilidade o ícone será alterado bem como seu número e caso o cursor volte para o estágio amarelo nenhuma habilidade aparecerá no ícone até que volte a atingir o estágio verde. Caso nenhuma habilidade do tipo do ícone seja usado até a contagem do numero acabar, o ícone mudará de tipo e uma nova numeração de turnos aparecerá.
Essa mecânica te obriga a pensar sobre qual habilidade usar e em que momento para se manter na vantagem da batalha. Bem como quais habilidades ensinar ou equipar para cada personagem. Outras formas de retroceder o cursor é defendendo, trocando de personagem (quando o numero total passa de 4 personagens ativos) ou usando itens de overdrive que serve exatamente para esse fim.
Além disso o jogo foca no uso das habilidades especiais e não do ataque básico, parte pela dinâmica do Overdrive e parte por ter todo seu Health Points (ou HP), TP e status recuperados pós batalha. Ou seja, posso até usar todas as minhas habilidades e ficar sem TP em batalha que quado finalizar terei tudo recuperado, inclusive personagens que morreram.
Subindo de Nível
“Ok, mas espera um pouco… você disse que o jogo não da experiencia e os personagens não possuem níveis… então como me torno mais forte e aprendo mais habilidades?”
Calma meu consagrado, seu questionamento é válido, vou esclarecer isso.
As todas batalhas são com inimigos no mapa, semelhante ao que Chrono Trigger nos entregou no passado e todos garantem alguns pontos de habilidade (Skill Points, ou sp), já as batalhas contra chefes ou chefes opcionais chamados de Unique Monsters te garantem além de Skill Points algo chamado Grimoire Shards (ou GS). Esses GSs são usados para aprender novas habilidades ativas (as usadas em batalha gastando o TP), passivas (ficam sempre ativas sem gastar TP) e aumento permanente nos status do seu personagem como ataque ou defesa.
Dessa forma, vencendo os chefes e os Unique Monsters, você garante o fortalecimento para todos os seus personagens e você mesmo distribui esses pontos da forma que preferir. Os Skill Points (ou SP) recebidos em batalha também ajudam a melhorar as habilidades passivas equipadas e podem também ser acumulados para melhorar alguma outra habilidade passiva do personagem. É possível ter equipado ao todo 5 habilidades passivas e X habilidades ativas.
Outra forma de ficar mais forte é melhorando os equipamentos, cada equipamento possui duas melhorias aumentado seu status base e adicionando mais espaço para a adição de cristais de éter encontrados pelo mapa. Esses cristais adicionam habilidades passivas ao equipamento sem a necessidade de ser necessário equipar a habilidade diretamente no personagem.
Mecha
Além do que aqui foi falado, o jogo possui também combate com robôs gigantes, os famosos e tão queridos mechas.
Esses robôs podem ser usados em determinados mapas e seu sistema de batalhas possui também possui a barra de Overdrive porém com uma diferença: não possui o estágio verde e possui dois estágios vermelhos.
A dinâmica de mover o cursor a cada ação tomada permanece, porém não há dessa vez uma habilidade chave para retroceder o cursor. Em seu lugar temos o uso de três gears (ou marchas) diferentes para atuar na estratégia de manter o cursor no estágio amarelo. Lembrando: nas batalhas de robôs não há um estágio favorável ao jogador, temos o estágio neutro e dois estágios de risco.
As batalhas iniciam com os robôs no primeira marcha onde o custo da habilidade é padrão e todas as habilidades moverão o cursor para a direita. Ao se aproximar do estágio vermelho, mude para a segunda marcha e as ações moverão o cursor para a esquerda, porém gastarão o dobro do custo para usar as habilidades. A marcha seguinte é a 0 (ponto morto, neutro… estacionado… ). Nessa marcha o curso não moverá com a ação do jogador, porém ele também não poderá usar as habilidades. Essa marcha serve para evitar o avanço do cursor e ao usar um ataque básico recuperará muito Technical Points (ou TP).
Outra diferença do modo a pé (é assim mesmo a referencia no jogo), as habilidades dos robôs estão relacionadas as armas primárias e secundárias equipadas ao robô e não as habilidades equipadas no piloto.
Caça ao tesouro e Guilda de Aventureiros
Apesar da Nintendo não implementar em seus consoles ou serviços um local de conquistas como Xbox ou troféus como a Sony, alguns jogos possui seus próprios meios de fazer isso e Chained Echoes não é diferente. No curso da história, logo no início aliás, você receberá de um NPC uma sidequest sobre buscar com atenção tesouros enterrados no cenário. Ao encontrar pelos cenários um círculo com três triângulos tente encontrar outro semelhante e próximo. Ao seguir a direção onde os triângulos se cruzam e pressionar A descobrirá um tesouro escondido.
Essa mecânica é um pouco falha e confusa por não ter uma resposta tão clara ao passar por cima do tesouro, nos fazendo tentar muitas vezes por dedução e andar pressionando A a cada passo. Também há pelo mapa algumas paredes suspeitas, ao interagir com elas surgirá uma caverna com um baú dentro contendo itens ou dinheiro.
E após alguns eventos no jogo você deverá encontrar uma guilda de aventureiros. Ao concluir sua missão você receberá uma tabela de premiações para diversas ações do jogo que vão desde enfrentar um Unique Monster como coletar todos os baús de uma determinada área.
Você ganha também um Bestiário que trás informações sobre os monstros e chefes enfrentados. E para cada Unique Monster que derrotar você ganhará alguns itens e dinheiro extra ao falar com a NPC no balcão da guilda.
Design e Trilha Sonora
Pixelart, o estilo indie
Pixelart polido e vivo. Em resumo é isso. E esse estilo tem ganhando cada vez mais espaço na comunidade indie e se tornando a preferência de muitos, o que vai de contraponto direto aos avanços gráficos tão cobiçados atualmente.
Em Chained Echoes é gostoso perceber cada detalhe, desde as cores ao movimentar da água ou das folhas das arvores. Em alguns casos senti uma carência de mais alguns frames de animação para aumentar a fluidez, mas nada onerante à experiencia. Todos os inimigos e efeitos de golpes são também em pixelart. Inclusive as cutscenes e as animações da habilidade especial de cada personagem.
Os cenários diferem bastante em cada bioma e o mapa mundo, no momento que tem acesso à ele, é lindo demais… E novamente, cheio de detalhes que contam muito, seja na proporção, seja no bando de pássaros migratórios que passam por você. E falando em proporção, o tamanho do continente de Valandis em relação a você faz jus ao tamanho dos mapas quando está explorando cada parte. Porem, senti um certo incomodo na velocidade de movimentação dos personagens, algo como se eles se deslocassem mais do que as pernas visivelmente seriam capazes, mesmo correndo… Talvez eu seja detalhista demais… ou talvez não…
Trilha Sonora e Efeitos
A trilha sonora tem alto impacto na ambientação de cada bioma e dita o ritmo das batalhas muito bem. Nada enjoativo e com um teor que combina bem com o jogo. E sobre os efeitos é tudo muito belo e preciso. Alguns efeitos sonoros são mais altos do que imaginei que devessem mas nada que um ajuste fino nas configurações de volume do jogo não resolva.
O tema de batalha e de tensão em algumas cenas, até mesmo a ausência de sonso em momentos mais impactantes ornam muito bem com a narrativa e mundo. O tema de batalha certamente reservará um espaço na sua mente por bons momentos.
Você pode conferir a trilha sonora de Chained Echoes no video abaixo disponibilizado pelo próprio compositor Eddie Marianukroh.
Sucessor Espiritual
Tendo uma base forte, uma história complexa, um trabalho de arte excelente e um gameplay que inova o gênero JRPG, acredito que Chained Echoes tem mais do que o suficiente para ser considerado um bom sucessor espiritual do tão memorável Chrono Trigger. Não só pela as referencias ao jogo em si, mas pelo sentimento de te prender a atenção e te fazer querer saber mais da historia mesmo. Ver a resolução desse grande conflito de mais de 150 anos.
Até o momento de escrita desse review, o também muito aguardado Sea of Stars ainda não foi lançado, apenas uma demo jogável. Esse também tem grandes chances de conseguir esse título de sucessor espiritual, até mais que Chained Echoes, já que apelaram contrataram o compositor das musicas de Chrono Trigger, Yasunori Mitsuda, para compor as faixas do jogo.
Mesmo assim, Chained Echoes tem seu lugar garantido na memória e no coração, e certamente jogarei novamente.
Replay e New Game +
E falando em jogar novamente, o jogo te permite concluir a historia principal sem enfrentar os Unique Monsters ou resolver as missões secundárias, o que pode se tornar um bom fator replay. Para os colecionadores de troféus ou conquistas, parte dos prêmios conseguidos na guilda de aventureiros dependem de exploração e da resolução dessas sidequests.
Além disso, no servidor oficial do jogo no Discord, tivemos a revelação de que algumas correções estão sendo desenvolvidas e inclusive haverá em breve um update de conteúdo trazendo o New Game +.
Até o momento não há informações sobre o que teríamos nesse New Game +, porém é suposto ter conteúdo extra que não entrou no jogo em seu lançamento.
Detalhes Técnicos
O jogo foi lançado dia 8 de dezembro de 2022, possui cerca de 800 mb de tamanho (jogo base mais patches de correção), permite apenas um jogador e está custando R$ 47,99 na eShop brasileira. Até o momento temos o jogo apenas na linguagem Inglês, há uma premissa de chegar alguns outros idiomas em atualizações futuras, porém não temos menção sobre localização em Pt-Br.
