Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Little Nightmares III – O peso de suceder duas obras-primas

É incrível como um game como Little Nightmares foi capaz de trazer a sensação do medo que tínhamos na infância e transformá-la em algo nostálgico para os adultos gamers e ainda assim causar aflição ao jogar. Com seus traços góticos e sombrios à la Tim Burton, o game possuía uma característica “passivo-agressiva” ao entregar gráficos muito bem desenvolvidos, apesar do tom cartunesco e hiperbolizado. Ele cativava por representar a sensação de que todo aquele mundo que você estava visualizando fosse, de fato, um pesadelo interminável, do tipo que marcava, de maneira bem negativa, a nossa infância.

E tudo isso sem ter um diálogo sequer, exceto pelos sons onomatopeicos dos personagens principais e dos monstros encontrados pelo caminho. O que é incrível, já que se trata de uma história profunda, com um roteiro tão significativo que fez Six e Mono (protagonistas dos jogos anteriores) serem exaltados pelos fãs, ainda que jamais tenham tido uma linha escrita sobre suas histórias ou qualquer fala que despertasse empatia diretamente.

A beleza de Little Nightmares é justamente ser simples e complexo ao mesmo tempo, andar sobre a linha tênue de dois pontos antagônicos para entregar uma experiência ao jogador que, por mais tensa e tenebrosa que seja, exala simpatia e faz com que o carinho seja o sentimento principal pela franquia.

E cá estamos, oito anos depois do lançamento do primeiro jogo, com todo o folclore construído, a paixão por Six consolidada entre os fãs e encarando o terceiro capítulo da franquia com a esperança de que mais uma obra-prima esteja a caminho. Agora pelas mãos da Supermassive Games (já que a Tarsier Studios, estúdio por trás dos dois primeiros títulos, foi vendida para a Embracer Group, com os direitos de Little Nightmares permanecendo com a Bandai Namco), o jogo chega após alguns adiamentos e incertezas quanto ao seu lançamento, além da enorme pressão de suceder duas verdadeiras obras-primas do terror e suspense. Mas talvez esse tenha sido o principal erro do game, tanto por parte dos fãs quanto dos desenvolvedores.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Os novos protagonistas do mundo dos pesadelos

A Bandai decidiu expandir o folclore do jogo ao trazer dois novos protagonistas e um jeito “diferente” (mas nem tanto) de abordar o terceiro capítulo da franquia. Agora em uma aventura cooperativa — seja com um amigo ou com a inteligência artificial controlando o outro personagem, como em momentos do segundo jogo, você escolhe entre Low e Alone, duas crianças que tentam escapar de um lugar chamado Nowhere.

Aqui vemos o clássico Little Nightmares: o mistério, a incerteza de sequer saber quem é o personagem que você está controlando. Você não sabe nada da história, apenas é colocado no cenário característico de plataforma e deve seguir em frente.

Mas é estranho, porque algo falta neste jogo. O visual continua impecável e artisticamente deslumbrante, a trilha sonora, mesmo sem arranjos poderosos, permanece brilhante ao remeter a momentos tensos e sombrios. Ainda assim, há uma sensação de vazio e o começo parece mais uma busca por entender o que está faltando do que, de fato, curiosidade pela história ou pelos mistérios.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Por mais que você queira, esse “algo a mais” parece te perseguir pelos cenários e pelas ações furtivas para escapar das figuras bizarras que surgem no caminho. Mas vamos deixar esse “falta algo” um pouco de lado e continuar a análise nua e crua do game, certo?

A história, sendo franco, começa um tanto quanto arrastada e talvez a ausência de um fator que prenda o jogador de forma significativa faça tudo soar frio e sem propósito. Isso piora se você tenta buscar elementos narrativos dos jogos anteriores logo no início, tornando tudo ainda mais confuso, mesmo para jogadores experientes da franquia.

Mas, em meio a essa busca por respostas (tanto sobre o que falta quanto sobre a própria trama), Low e Alone acabam se destacando como protagonistas fortes, conquistando a simpatia do público. Ainda que careçam da presença poderosa de Six, rosto da franquia, ambos criam laços que transbordam pela tela, despertando afeição mesmo em um mundo caótico, distópico e sombrio.

Mas ainda assim… falta algo.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Puzzles, puzzles e mais puzzles

A fórmula de Little Nightmares é muito fácil de ser compreendida, sendo um game de percepção simples por parte do jogador em relação ao seu funcionamento, mas que exige raciocínio para prosseguir. O jogo não apresenta batalhas diretas contra os inimigos, salvo em alguns momentos específicos, sendo uma experiência baseada em ações furtivas, escapadas e resolução de diversos puzzles que surgem pelo caminho.

O complicado deste terceiro capítulo em específico é que, por diversas vezes, ele flerta com a “facilidade demais”. Contudo, quando esse sentimento começa a crescer durante o jogo, surge um puzzle que quebra as expectativas e faz da tentativa e erro o norte para suas resoluções.

O maior aprendizado é, sem dúvida, não subestimar o game, com suas “trapaças” (no bom sentido) e artimanhas. E talvez, por costume, ao acreditar que tudo está sendo facilmente resolvido, o jogador, ao se deparar com algum momento de dúvida sobre o que fazer, em que realmente é preciso tentar e errar para acertar o caminho, possa achar o jogo oscilante.

Mas, à medida que se avança, percebe-se que isso tudo é fruto muito mais da ansiedade em resolver tudo rapidamente do que, de fato, de uma inconstância do game. Ora, se o jogo, de suspense e terror, sempre buscou — em seus antecessores — fazer com que tudo fosse feito com o máximo de cautela, por que então acreditar que, neste, seria possível agir desenfreadamente e achar que se sabe tudo em cada cenário?

O game aqui carece, talvez, de conseguir prender melhor o jogador desde o início, tal qual seus anteriores conseguiram. O que não o torna ruim (muito pelo contrário), mas, à medida que se avança e se percebe tratar de uma experiência diferente e que não remete diretamente aos anteriores, o jogo acaba fluindo e se destacando muito mais.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

A expectativa (e a pressão) para ser gigantesco

E é isso: a resposta que anteriormente tanto se buscava no game — e que incomodava ao se jogar — era a tentativa de fazê-lo ser como os anteriores. É, antes de tudo, necessário entender que Little Nightmares, como dito acima, não é necessariamente uma obra simples, por mais que não existam diálogos ou textos escritos. É complexo, inclusive, com sua base de fãs sequer chegando a um consenso sobre o real significado da história dos jogos anteriores, ainda que existam fatores que apontem para certas interpretações.

A troca de estúdio (da Tarsier para a competente Supermassive Games) já indica que veríamos um jogo com seu próprio rumo. É preciso destacar que, quando se fala sobre ele, ainda assim é possível vivenciar (e sentir) uma experiência dentro do universo do game. No entanto, é importante entender que este título se afasta, e muito, dos anteriores em sua essência. E, por mais que isso possa chocar e soar como algo prejudicial, a alma construída no primeiro e no segundo jogo não está presente aqui. Quanto mais rápido o jogador se afastar desse paradigma, mais fácil será apreciá-lo como obra independente.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Talvez chamá-lo de III tenha atrapalhado um pouco nesse sentido, mas sua áurea é única em relação aos outros jogos. O terror ainda está ali, embora em menor escala. Algo perceptível neste game é o fato de haver menos cenas icônicas, menos momentos de “choque”, como quando Six se alimenta do que parecia ser um aliado no primeiro jogo. Há um foco completo na experiência dos protagonistas e em sua dinâmica cooperativa, o que leva a questionar se, de alguma forma, jogos como It Takes Two, ainda que não tenham nada a ver com a história ou jogabilidade, tenham influenciado o andamento deste título.

E talvez seja isso o que tenha prejudicado tanto a recepção do game. O jogo não é uma obra-prima e não se destaca com louvor a ponto de ser lembrado com aquela nostalgia do tipo “nossa, quero rejogar”. Mas isso não significa que sua qualidade deva ser diminuída. Não é porque ele não seguiu a mesma linha dos anteriores que deixa de ter valor.

O game, ainda que demore a engatar, é um bom título de terror/suspense, que agrada especialmente da metade para o final, principalmente a partir das fases do Carnaval e do Instituto. A pressão por acreditar que o jogo seria algo incrível talvez tenha feito muitos deixarem de enxergar que, agora, com a Supermassive Games à frente, uma nova essência estava tentando ser descoberta. E, se for dada uma chance, é possível sim descobrir aqui um bom game.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Viver um pesadelo que você nunca sonhou

Como prometido acima, é necessário um capítulo à parte para falar sobre a arte do game. E que direção artística fantástica este terceiro capítulo continua a apresentar! Há um brilhantismo em sua concepção visual, capaz de entregar ao jogador a experiência de se sentir dentro de um pesadelo que parece já ter sido vivido, ainda que tudo esteja sendo experimentado pela primeira vez.

A sensação de ser um pequeno personagem em meio a inimigos muito maiores — caracterizados propositalmente de maneira bizarra e assustadora — traz de volta a real sensação de impotência vista nos jogos anteriores, que aqui é mantida com excelência. O visual à la Tim Burton do game carrega sua marca no tom sombrio, com toques sutis de brutalidade, ao mostrar personagens cometendo suicídio, evidenciando a loucura e o desespero de estar naquele lugar, o que aumenta a angústia por uma escapatória.

Somando-se a isso, vem a trilha sonora mundana, tensa e mórbida, com efeitos acoplados ao humble (barulho ambiente) que surgem nos momentos certos e causam aflição ao jogador. No entanto, o jogo exagera ao intensificar o tom sombrio, escurecendo a imagem em diversos momentos a ponto de se tornar incômodo de jogar.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Ok, em um jogo de terror e suspense é natural que se utilize uma paleta de cores escuras para favorecer o sentimento de medo, mas há um limite entre criar imersão e forçar o jogador a agir com artimanhas apenas para tentar enxergar o que está à sua frente. Existem diversos momentos terríveis até o jogador encontrar a lanterna, o que prejudica o andamento da experiência.

E já adianto: para aqueles que desejam jogar no modo portátil, não o façam durante o dia ou em locais muito iluminados, vocês certamente terão dificuldade.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas

Mas e aí, vale a pena?

Little Nightmares III é fruto do que acontece quando uma franquia grandiosa entrega um título de qualidade inferior, o peso da comparação é cruel. Não é porque ele não possui o mesmo brilhantismo e essência dos anteriores que deve ser tratado como um fracasso. Ainda que demore a engrenar como um jogo de terror completo, há beleza em sua proposta.

Não apenas na arte sombria e “timburtiana” (ainda que mal iluminada), mas também no carisma de Low e Alone, que conquistam facilmente pela empatia de serem indefesos em um mundo cruel. Eles proporcionam momentos de tensão, fuga e suspense que garantem boas horas de jogatina satisfatória.

A crítica aqui é o distanciamento excessivo dos títulos anteriores, algo que talvez não fosse necessário, mesmo sendo o terceiro capítulo. Mas, no fim, Little Nightmares III é um bom jogo: diverte, angustia e entrega uma experiência sólida, ainda que não encante como os primeiros.

Little Nightmares III - O peso de suceder duas obras-primas
Little NIghtmares III
Veredito
Little Nightmares III é um bom jogo, mas não uma obra-prima. Ele mantém o brilho visual e o charme artístico da série, mas carece da intensidade e da profundidade emocional que tornaram seus antecessores memoráveis. A Supermassive Games entrega uma experiência sólida e sombria, porém mais contida, um novo pesadelo que, embora diferente, ainda vale a pena ser vivido.
Design
85
Trilha Sonora
90
Gameplay
85
Diversão
85
Custo x Benefício
80
Prós
Direção de arte impecável: A estética sombria e melancólica continua sendo o ponto mais forte da franquia.
Low e Alone conseguem conquistar o jogador com o tempo. Embora não tenham o mesmo impacto imediato de Six, a relação entre os dois personagens ganha força emocional e cria empatia
Trilha Sonora tensa e magnifica
A introdução do modo cooperativo — jogando com um amigo ou com a IA — adiciona uma nova camada à fórmula tradicional da franquia
Contras
O jogo começa de forma arrastada e sem conseguir prender o jogador. Falta aquele “gancho emocional” que os dois primeiros Little Nightmares tinham logo nos minutos iniciais.
Alguns trechos são fáceis demais, enquanto outros quebram o ritmo com picos de dificuldade inesperados. Essa inconsistência pode gerar frustração, principalmente nos momentos iniciais.
Embora a fotografia sombria seja proposital, em muitos momentos o jogo exagera na falta de iluminação, tornando difícil enxergar o cenário e comprometendo a experiência
O medo ainda existe, mas em menor escala. O game prioriza a cooperação e o vínculo entre os personagens, sacrificando parte do horror psicológico e das cenas chocantes que marcaram os dois primeiros títulos.
85
Nota Final

Little Nightmares III is a good game, but not a masterpiece.
It preserves the visual brilliance and artistic charm of the series, yet lacks the intensity and emotional depth that made its predecessors memorable. Supermassive Games delivers a solid and dark experience, though a more restrained one, a new nightmare that, while different, is still worth living through.

[Nota do Editor: O jogo Little Nightmares III foi analisado a partir de um Nintendo Switch 2 cuja chave foi gentilmente cedida pela Bandai Namco]


[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Um grande entusiasta da Nintendo, "fanZeldaboy" e confesso dono de um sofisticadíssimo sotaque nordestino visse?