Construir um bom jogo de terror é como preparar um pesadelo inesquecível: cada detalhe precisa estar no lugar certo para manter o jogador em constante tensão. O primeiro passo é um roteiro sólido, capaz de dar propósito e coragem para enfrentar os inevitáveis jump scares que surgem pelo caminho. Em seguida, entra a sonoplastia que, quando bem sincronizada com a narrativa, se transforma no coração da atmosfera, ditando o ritmo do medo. Por fim, é essencial fugir do “mais do mesmo”. Homenagens ao passado sempre têm espaço, mas o verdadeiro terror nasce da originalidade, daquilo que é único, imprevisível e verdadeiramente perturbador.
É por isso que, quando surge uma obra que recompensa cada hora investida, cada batalha contra chefes tensos e cada momento de paciência diante do suspense, ela precisa ser exaltada e celebrada pela comunidade.
A Bloober Team, desenvolvedora polonesa que entregou o excelente remake de Silent Hill 2 (temporariamente exclusivo do PS5), aproveitou a repercussão do lançamento no ano passado para apresentar uma nova IP. E trouxe exatamente os elementos essenciais que citamos acima, entregando um jogo digno de consolidar a promessa do CEO da empresa: tornar o Nintendo Switch 2 uma nova casa para o gênero de terror. Cronos: The New Dawn é um daqueles títulos que merecem o selo must play no survival horror, e aqui você vai descobrir o porquê.

A difícil vida da Viajante
A trama se passa em um mundo distópico destruído pela ganância humana. Aqui, você assume o papel da Viajante, uma investigadora pertencente ao grupo [xxx] que busca entender os mistérios por trás do que ocorreu na Polônia dos anos 80. Após a humanidade ser quase extinta por um vírus que transformou pessoas em monstros, chamados aqui de Orfãos, o cenário parece seguir o clichê de um apocalipse zumbi.
Mas Cronos vai além. Durante sua jornada pelo país (que nesta época ainda integrava a antiga União Soviética), entre viagens no espaço-tempo, a protagonista descobre uma trama sombria que desencadeou toda a destruição. E, embora procure respostas, são as perguntas que não param de surgir à medida que o jogador avança. É aí que reside a força narrativa do jogo: uma atmosfera que lembra Dark, a série da Netflix , não apenas pelo tema das viagens temporais, mas também pela busca de um ponto específico que alterou toda a realidade. Se na série esse ponto era uma usina nuclear, aqui é uma siderúrgica.
As influências de Cronos: The New Dawn são visíveis. Quem acompanha o gênero logo percebe referências a Dead Space. Os trejeitos da Viajante lembram Isaac Clarke (inclusive o ataque de pisão), mas a condução da história e o sistema de combate carregam sua própria essência.

Há também ecos de Resident Evil, perceptíveis tanto em mecânicas de chefes quanto em momentos de tensão que remetem diretamente aos clássicos da franquia. Um exemplo é a aparição de uma criatura que remete à icônica introdução do Licker na janela, em Resident Evil 2.
Ainda assim, é importante frisar: Cronos não é uma colagem de ideias. Apesar de citar três obras diferentes que podem ser percebidas no game, é preciso adiantar que as inspirações são sutis. Por mais forte que seja o visual da Viajante, semelhante ao do herói de Dead Space, a história, o desenvolvimento, os monstros,tudo na forma como Cronos se constrói é único. Não se trata de uma mera defesa sem sentido, mas de uma constatação: o game da Bloober consegue se sustentar por seus próprios méritos. As inspirações estão lá, mas de forma bem aplicada. O jogo desenvolve uma identidade própria que honra o legado do survival horror sem deixar de caminhar com os próprios pés.

O desenvolvimento da tensa atmosfera
Um bom survival horror não se sustenta se não souber trabalhar a tensão no jogador, e aqui está o maior acerto de Cronos: The New Dawn. O jogo não apela para exageros nem se limita à covardia de depender unicamente de jump scares baratos. A tensão nasce de forma orgânica, presente em cada detalhe estético, em cada silêncio, em cada sombra.
A reconstrução da Polônia dos anos 80 é simplesmente brilhante. Ao atravessar bairros ainda não destruídos, é possível sentir que você está realmente no país, quase como reviver os cenários de Chernobyl, da HBO, antes do colapso. Mais do que o escuro ou o apocalipse em si, o jogo transmite o peso do caos iminente.
Não se trata apenas de mostrar um futuro distópico e dizer: “Olhe, houve destruição. Descubra o que aconteceu.” O diferencial está em permitir que o jogador testemunhe a degradação da sociedade. Você ouve diálogos marcados pelo medo da incerteza. Lê cartas de despedida que revelam a dor da separação. Observa famílias sucumbindo pouco a pouco. É nesse detalhe humano que a experiência ganha força, fazendo você sentir a mesma angústia da população prestes a ser apagada.

A Bloober Team conseguiu transformar essa sensação de incerteza no pilar narrativo e atmosférico do jogo. O mistério é constante, e cada cenário reforça a dúvida sobre o que está por vir. Para completar, a sonoplastia é de fazer inveja a qualquer filme de terror. Há momentos em que você caminha por ambientes vazios e, mesmo sem nenhum inimigo à vista, fica paralisado apenas porque a música e os sons de fundo induzem à ansiedade.
Logo no início, o game recomenda o uso de fones de ouvido, e não é apenas por imersão. É para que a experiência seja completa. Gritos ao longe, suspiros abafados, portas rangendo e a respiração ofegante da Viajante criam uma trilha viva, que guia suas emoções. Mais do que ambientação, o som é um personagem.
Às vezes, ele serve como um aviso da chegada iminente de um monstro, essencial para se preparar. Em outros momentos, sinaliza que o perigo passou, oferecendo um raro alívio. Assim, a trilha sonora e os efeitos sonoros se tornam simultaneamente aliados e inimigos, manipulando o jogador de forma magistral.
Cronos e o combate
Cronos também merece elogios pelo seu combate, ainda que seja um ponto de menos destaque que sua narrativa, design e trilha sonora. É divertido e emocionante em diversos momentos, conseguindo aplicar bem a máxima de “lutar pela sobrevivência” em um survival horror.
O uso da munição precisa ser pensado com cuidado e estratégia. Uma opção interessante é a possibilidade de fabricar munição a qualquer momento do jogo, desde que os recursos necessários estejam disponíveis.
Ainda que essa mecânica ajude a ecoar a adrenalina em vários momentos, o jogo carece de mais frenesi por parte dos inimigos. Talvez isso seja um alívio para muitos, mas fugir deles não é exatamente difícil. Não é que seja fácil despistar os monstros, mas muitas vezes você tem tempo suficiente para correr, fabricar uma munição e utilizá-la para derrotar o inimigo. Isso tira um pouco do medo que certas criaturas deveriam inspirar. Talvez no modo Difícil, liberado após finalizar o jogo, essa sensação melhore.
Ainda assim, eles não deixam de ser agressivos e sempre tentam matar o jogador.

O combate em si não é difícil de aprender: basta atirar nos monstros, preferencialmente mirando na cabeça. No início, a arma padrão não é tão eficaz, sendo necessário usar o tiro carregado para causar mais dano. Isso pode soar estranho, afinal, em meio à angústia, é preciso segurar o disparo para carregá-lo, mas, com a progressão, é possível melhorar a arma, tornando os confrontos mais interessantes.
E um adendo importante: cuidado para não deixar os inimigos se fundirem, pois ficam muito mais poderosos. Uma alternativa é queimá-los com o botão L, usando cápsulas de combustão, obtidas gratuitamente em qualquer safety point.
Para os jogadores que gostam de explorar tudo, Cronos oferece colecionáveis curiosos: revistas em quadrinhos (semelhantes às de The Last of Us) e… gatos! Sim, em meio ao apocalipse, sua missão é também resgatar felinos. Basta seguir os miados espalhados pelos cenários, e eles irão diretamente para o safety point. Para os amantes dos bichanos, é um detalhe que traz ainda mais charme ao jogo.

Nem tudo são flores… ou apocalipse?
O game não é perfeito e precisa de alguns apontamentos além do já mencionado. Há falhas de desempenho ocasionais, como pequenas engasgadas, inclusive durante batalhas. Embora não sejam frequentes, atrapalham em momentos cruciais , e nada mais frustrante do que perder a fluidez quando a sobrevivência está em jogo.
Um detalhe curioso é a queda de FPS ao subir ou descer escadas, algo incoerente, já que em 95% do tempo o jogo mantém estabilidade. Além disso, em duas ocasiões, o game sofreu crash, travando completamente a tela e obrigando a fechar o game, o que me fez perder progressão já conquistada.
Em geral, Cronos roda a 30fps sólidos, com pequenas quedas em momentos mais agitados. Para atingir essa estabilidade, foram feitos cortes visuais perceptíveis, que podem soar estranhos à primeira vista, mas que se justificam na busca por fluidez. A Viajante tem um design detalhado em seu traje, mas personagens sem capacetes ou coberturas faciais podem parecer um pouco esquisitos (o visual da Veronica me dava calafrios em certos momentos).
Há ainda um detalhe técnico de iluminação: pequenos pontos brancos que surgem rapidamente quando giramos a câmera com mais velocidade, como se feixes de luz fossem piscadas breves. Ainda que esses problemas existam, isso em si não interferiu na animada gameplay do jogo, mostrando que mesmo com alguns pontos técnicos, o game entregou muita adrenalina.

Conclusão
Cronos: The New Dawn não é apenas mais um capítulo no vasto catálogo de jogos de terror, uma prova de que o gênero ainda pode ser renovado com ousadia e identidade própria. A Bloober Team conseguiu entregar um survival horror que respeita as tradições do passado, mas não se limita a elas, apostando em uma protagonista carismática, uma trama envolvente e um universo capaz de provocar inquietação muito além dos sustos ocasionais.
Apesar de tropeços técnicos ocasionais, o que prevalece é a experiência memorável: a narrativa que convida o jogador a refletir sobre ganância e destruição, a atmosfera que transforma cada silêncio em ameaça, e o som que pulsa como um personagem vivo, conduzindo medo e esperança em doses precisas. O combate, embora menos refinado que outros elementos, cumpre seu papel e sustenta a tensão necessária para que cada encontro seja encarado como uma luta real pela sobrevivência.
No fim, Cronos é exatamente aquilo que se espera de um título de peso: um jogo que prende, assusta, emociona e deixa cicatrizes na memória do jogador. É, sem exagero, uma das obras mais significativas da Bloober Team até hoje e, sem dúvida, um dos survival horrors mais marcantes disponíveis no Nintendo Switch 2. Se a promessa era fazer do console uma casa sólida para o gênero, Cronos é o primeiro grande alicerce dessa construção.
Cronos: The New Dawn establishes itself as a survival horror game worthy of recommendation to a wide audience. The Wanderer is a charismatic protagonist whose quest for justice connects directly with the player. With rich cutscenes, an engaging narrative, and a suffocating atmosphere, the game delivers a memorable experience.
Bloober Team once again demonstrates why it is one of the leading names in the genre. Cronos not only pays homage to the past but also proves that horror can still be original and unforgettable.
[Nota do Editor: O jogo Cronos: The New Dawn foi analisado a partir de um Nintendo Switch 2 cuja chave foi gentilmente cedida pela Bloober Team]
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