A cultura do consumo Speedrun

A cultura do consumo Speedrun

Respeitem a sua e a nossa história. Não é de hoje que se ouve falar em obsolescência programada e consumo desenfreado. Bens, roupas e obras, como músicas, filmes, séries e desenhos são produzidos em escala industrial de maneira sufocante. Cria-se o desejo, consome-se loucamente até esgotar e esperamos pelo próximo lançamento da semana que vem. E na indústria que cresce mais do que a soma dos mercados fonográfico e de cinema, não seria nem um pouco diferente.

A pressão pelo resultado da entrega de produtos e conteúdo de forma contínua e regular, traz muita receita mas também alguns ingredientes cada vez mais difíceis de engolir. O estúdio lança o game; os influenciadores pegam o jogo primeiro; dissecam em 4h30 ; ele explode com vendas na estreia e com suas micro macro e metatransações; e no final do primeiro dia, milhões de gameplays nas plataformas já entregam todas as emoções daquele título. Quem zera primeiro! Quem faz mais gameplays! Com glitch, sem glitch…

Quem consegue aproveitar alguma coisa desse jeito!? Me lembro de passar recreios e recreios debatendo como avançar nos jogos.

Vê quem quer? Claro! Detonados de games são novidade? Podes crer que não! 

A Nintendo já teve conselheiros na linha telefônica para dar as dicas de fases encalhadas. Também crescemos nas bancas de jornal, comprando revistas para memorizar cheats sem pudor algum. Nintendo World, Nintendo Power, Game Shark … Mas ainda tinha essa espera, ainda tinha um desafio enquanto a publicação não chegava ao jornaleiro. De fato, existia o esforço com as próprias mãos e o tempo para se deliciar com cada obra.

Não é – só – saudosismo, mas tracemos um paralelo. Star Wars e The Legend of Zelda. Cinema e video game. Duas das maiores franquias da história do entretenimento e da cultura pop. As duas adotaram uma estratégia de lançar produtos com mais regularidade, com no máximo um ano e meio de espaço entre os drops. Vimos a Disney praticamente tentar assassinar a obra de George Lucas, apesar do justo e sincero pedido de desculpas com The Mandalorian, pelo que fizeram com a trilogia final. Zelda, lança remakes e semi spin-offs para bagunçar mais ainda a confusa – mas brilhantemente genial – timeline do clássico que vai completar 35 anos.

As vendas só crescem e o público pede mais. Mas será que isso é só benéfico para as obras? O quanto a pressa pela entrega não estimulou a ejaculação precoce de Cyber Punk 2077? Anos de projeto para o suposto lançamento do século não foram suficientes. Seguindo exemplo de outras mídias, mesmo com os jogos batendo recordes atrás de recordes, será que não estamos vendo sempre as mesmas histórias, só que envelopadas de formas diferentes? E as histórias dentro das histórias, repetições delas mesmas? 

Breath of The Wild é uma obra prima, uma master piece. Mas a fórmula: uma nova região do mapa + resolver um pequeno b.o + outra divine beast (onde todos os chefes são iguais, por sinal) = história principal resolvida, pode não ter sido frustrante por esse aspecto? Os Assassin’s Creed são sempre os mesmos jogos, O Despertar da Força é igual à Nova Esperança, as franquias do cinema estão todas sempre reciclando os mesmos novos velhos roteiros.

Deem tempo para a criatividade, deem tempo para saborearmos. Esse mimizento que vos escreve AMA Star Wars. Esse reclamão aqui, jogou mais de 250 horas de Breath of The Wild feliz da vida e vai comprar a coletânea de Zelda que sai já já, se tudo der certo. Claro que continuamos a consumir as coisas depois de certo tempo, mas hoje somos assolados pelo próximo lançamento, pelo próximo presave, pelo próximo tudo. Quando foi a última vez que você se deparou com alguma coisa que olhou e pensou “isso aqui vai ser pra sempre”?

Os conteúdos produzidos pela comunidade são sem dúvida um marco da democratização do setor e o estabelecimento da via de mão dupla – e até tripla – desse consumo. Mas amigos… Michael Jackson não roteirizou Thriller da noite pro dia, Star Wars não foi um rearranjo e Ocarina of Time não foi produzido de lampejo à sombra de um calendário voraz. Nós gostamos, nós consumimos, mas também queremos coisas novas. Respeitem a sua e a nossa história.


[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Redator publiciteiro, escrevo do Rio de Janeiro com o saudosismo e certeza de que o Nintendo 64 segue como o melhor video game que já existiu.