Jogar videogame.
Para alguns, é só um passatempo qualquer, um hobby entre tantos. Mas para muitos, vai muito além: é parte da identidade, uma expressão de afeto, uma extensão de si mesmo. Segurar um controle e ver os comandos se transformarem em ações na tela há muito tempo deixou de ser apenas lazer.
Em certos momentos, os jogos até se tornam palco de discussões acaloradas, quase ideológicas. Embates sobre desempenho gráfico, taxa de quadros ou duração de campanha acabam por ofuscar o mais essencial: a diversão.
O simples, o óbvio, tem sido cada vez mais ignorado.
Hoje, torna-se quase sublime encontrar jogos que apostam em propostas “simples”, mas genuinamente encantadoras. Não há exigência de modo hard, de troféus raros ou desafios técnicos: há apenas a experiência, lúdica, artística e emocional, de sentar diante da TV e se deixar levar. E isso, por si só, é mágico.
E é justamente essa magia que Donkey Kong, o icônico gorilão da Nintendo, conseguiu resgatar com Donkey Kong Bananza.

Durante anos, Donkey Kong parecia relegado ao segundo plano. Apesar de ótimos títulos como Returns e Tropical Freeze, a sensação era de que a trilogia Country ainda era um ápice inatingível, e o silêncio em torno da franquia só aumentava essa impressão. Faltava algo inédito, ousado, digno da grandiosidade de um dos maiores nomes da história dos games.
E então, no dia 2 de abril, a Nintendo fez aquilo que sabe como ninguém: surpreendeu.
Ao final de uma apresentação já emocionante, um cenário à la Super Mario Odyssey surgiu na tela. A expectativa por uma sequência do bigodudo tomou conta… até que a tela rachou. Algo, ou melhor, alguém, a quebrava por dentro. Era ele. O macaco voltou.
Donkey Kong Bananza chegou no dia 17 de julho, como o segundo exclusivo do Nintendo Switch 2, e com ele veio a reafirmação de um legado. Um jogo que não precisa de firulas, que não quer competir por tempo de platina ou ray tracing: ele só quer que você jogue. Que se divirta. Que se encante.

A nova era começa em Ingot Isle
Logo de cara, somos apresentados a Ingot Isle, o novo mundo habitado por DK — uma ilha de minério dourado, cheia de segredos e possibilidades. Nosso gorilão agora veste seu traje de minerador e parte em busca daquilo que mais ama: bananas.
Armas? Picareta? Enxada? Esqueça. DK finalmente mostra sua força bruta em toda a sua glória: ele simplesmente quebra tudo o que vê pela frente, só para saciar sua obsessão por bananas. Mas no meio do caminho, surge algo inesperado, um material misterioso e reluzente chamado Banandium. E claro, bastou brilhar para o nosso herói querer colocar as mãos.
O que parecia um momento de alegria e descoberta logo se transforma em preocupação: durante uma tempestade, a temida VoidCo entra em cena, liderada pelo horripilante (e bota feio nisso) Void, CEO da empresa. Em poucos minutos, a ilha é sugada para o subsolo, e é aí que começa, de verdade, a jornada de DK para salvar seu lar e suas amadas bananas.

A partir desse ponto, acompanhamos um conto direto, com uma narrativa simples de entender, mas que não se prende à simplicidade para contar sua história de forma eficaz. O jogo encanta pela empatia: não cria mistérios desnecessários e flui com leveza. É praticamente um filme da Pixar, sem o peso existencial, mas também sem a pretensão de dar um salto maior que suas pernas. E justamente por isso, acerta em cheio na narrativa. Por mais básica que pareça, ela funciona.
DK e Pauline formam uma dupla excelente. A princípio, a parceria até lembra algo como Detona Ralph e Vanellope, mas a conexão entre os dois ganha força sem soar forçada. O laço que se desenvolve ao longo do jogo é tão natural quanto a afeição que sentimos pelos personagens: é genuíno, simples e tocante.
Jogabilidade que honra o legado
Ao ser anunciado, muitas foram as preocupações dos fãs com Donkey Kong Bananza: a fórmula de “quebrar tudo” funciona? Não enjoa? Seria só um Super Mario Odyssey com skin de Donkey Kong? O jogo aguentaria esse caos visual sem comprometer a jogabilidade?
Antes de mais nada, é justo começar com o seguinte: por mais que compartilhe equipe de desenvolvimento e estilo gráfico com Odyssey, Bananza tem identidade própria. E isso vai muito além da mecânica de destruição — que, diga-se de passagem, é extremamente divertida e traz uma sensação incomparável de liberdade. A estrutura do jogo remete até mesmo à ousadia de Breath of the Wild, agregando um sentimento de soberania e poder raramente vistos nos games da Nintendo.
É verdade que, a princípio, essa liberdade pode gerar receio: será que o jogo se tornará repetitivo ou fácil demais? Mas Bananza jamais escorrega nessa linha tênue. Pelo contrário, o jogo entrega uma experiência recompensadora, viciante, com aquela sensação quase infantil de querer “quebrar só mais uma parede”.
Ponto para os desenvolvedores por fazer essa mecânica ser mais do que estética: há recompensas reais para quem explora. Estamos falando de moedas de ouro (que funcionam como vidas extras: ao morrer, você perde 500 delas), esconderijos de Banandium (essenciais para a progressão do DK, permitindo upgrades em força, vida, pulo e até nas próprias transformações), mapas de tesouro e muito mais.
E aqui entra um mérito técnico importantíssimo: o Nintendo Switch 2 mostra que veio para encantar. A direção de arte entrega uma estética vibrante, com cores vivas e efeitos de iluminação dignos de tela grande. Apesar de existirem quedas de frame (já reconhecidas pela própria equipe de desenvolvimento), elas nunca comprometem a diversão. São breves e raras, e acontecem em momentos de tanto caos e destruição que mal são percebidas. Em vez de sacrificar o ritmo do jogo em nome da perfeição técnica, a equipe optou por priorizar a experiência do jogador, e acertou em cheio.
Nostalgia que evolui
Donkey Kong Bananza inova sem esquecer seu legado.
Nos clássicos da franquia, DK contava com a ajuda de animais parceiros em momentos pontuais, como Rambi, o rinoceronte, Enguarde, o peixe-espada, Expresso, o avestruz, Winky, o sapo, e Squawks, o papagaio. A equipe de desenvolvimento poderia ter simplesmente resgatado esses personagens, mas preferiu dar um passo ousado: e se Donkey Kong se transformasse neles?
Por mais improvável que pareça, a ideia funciona brilhantemente bem. O “Bananza” do título faz referência à habilidade ancestral que DK adquire (com ajuda da voz poderosa de Pauline) de se transformar em criaturas com habilidades únicas. O resultado? Um sistema de gameplay dinâmico, variado e que respeita o jogador, oferecendo liberdade real na hora de resolver puzzles e encarar desafios.
O mais interessante é que cada transformação pode ser usada em diferentes momentos, o jogo não prende o jogador a uma solução específica, permitindo criatividade e improviso. E ainda entrega doses generosas de nostalgia: é difícil não se emocionar ao ver DK se transformando em uma cobra com superpulo e lembrar imediatamente de Rattly, a carismática cascavel de Donkey Kong Country 2.
Entre as formas disponíveis, temos:
- Super Macaco – com um visual que lembra um Super Saiyajin… e com força bruta para quebrar blocos especiais
- Zebra – Velocidade apriomorada
- Avestruz – capaz de voar (sim, aqui ela voa!)
- Elefante – que suga materiais do cenário para abrir caminhos
- Cobra – com pulos altos e precisos dignos de plataforma clássica
Cada transformação tem seu charme e utilidade, e mais do que isso, elas fazem sentido dentro do mundo de Bananza, agregando variedade à jogabilidade sem nunca soar forçado. É uma solução criativa, nostálgica e incrivelmente funcional, que reforça o quanto este jogo sabe respeitar seu legado e, ao mesmo tempo, inovar.
Além disso, os minijogos também fazem bonito e cumprem bem seu papel. Responsáveis por render novos fragmentos de Banandium a Donkey Kong, eles honram a tradição da franquia de apresentar desafios rápidos, divertidos e recompensadores. Seja completando uma missão em 30 segundos, atravessando um cenário específico sem levar dano, ou coletando itens em tempo recorde, as opções são variadas e bem construídas.
E aqui, mais uma vez, o jogo acerta em cheio ao dialogar com a nostalgia. Uma das atividades mais memoráveis traz uma homenagem direta à icônica fase dos espinhos de Donkey Kong Country 2, embalada por ninguém menos que Stickerbush Symphony, agora em uma versão remasterizada que arrepia até o jogador mais experiente. É aquele tipo de momento que não apenas diverte, mas emociona.
Trilha sonora que embala a aventura
A trilha sonora de Donkey Kong Bananza é um espetáculo à parte. Não falo apenas das músicas marcantes que acompanham as transformações — cada uma com identidade própria —, mas de toda a atmosfera sonora que o jogo constrói.
É uma trilha que não apenas preenche o fundo, mas que impulsiona a experiência. A música cresce nos momentos de adrenalina, suaviza nas pausas de exploração e surpreende com composições que combinam perfeitamente com os ambientes de Ingot Isle. A sonoplastia também é um show: os sons dos golpes, dos objetos quebrando e das transformações carregam uma energia contagiante, que deixa o jogador sempre com vontade de continuar explorando.
É uma combinação que mostra como a Nintendo (e seus parceiros de estúdio) sabem trabalhar o áudio como uma extensão da jogabilidade — e não apenas como acessório.

Nem tudo são bananas… digo, flores
O jogo merece muitos elogios, mas alguns aspectos chamam atenção de forma menos positiva.
Infelizmente, a diversão proporcionada pelo game não se estende à dificuldade dos chefes. Ok, talvez isso nem devesse ser exatamente uma crítica, afinal, como mencionado no início, o jogo não tem a pretensão de ser desafiador, mas sim de divertir. Ainda assim, a facilidade com que os bosses são derrotados pode gerar frustração em certos momentos. Em várias ocasiões, é possível vencê-los em menos de 30 segundos, o que compromete o impacto desses confrontos. Chefes, por definição, deveriam representar um obstáculo, um teste final dentro de cada etapa. Quando se tornam simples obstáculos passageiros, fica a sensação: por que eles são considerados tão temidos?
Outro ponto delicado, que vai além do que o jogo entrega, mas que não pode ser ignorado, é o preço. Sim, estamos falando de um dos grandes lançamentos de Donkey Kong, e certamente um título que será lembrado como um clássico da franquia. Ainda assim, o valor de R$ 439,90 no mercado brasileiro é um ponto sensível. Mesmo reconhecendo que o jogo entrega muito valor em termos de diversão e qualidade, como destacamos de forma positiva nesta análise, o preço está claramente desalinhado com a realidade do consumidor nacional. É um custo elevado demais para o padrão brasileiro, e isso precisa ser dito.

Donkey Kong Bananza conseguiu
Custo do game à parte, é preciso dizer: como jogo, Donkey Kong Bananza é mais do que um dos títulos inaugurais do Nintendo Switch 2. É mais do que um lançamento obrigatório para fãs de videogame em busca de uma nova aventura. É muito mais que isso. É um aceno direto à afetividade do fã que esperou por esse momento por anos e que agora pode se orgulhar ao ver Donkey Kong finalmente recebendo o destaque que merece.
É ver um dos maiores ícones da história dos games, que ajudou a popularizar os videogames nos anos 80, voltar, mais de 40 anos depois, entregando uma experiência completamente nova, sem deixar de encantar em cada detalhe proposto.
É um jogo que faz feliz quem joga. Que desperta o interesse de quem ainda não conhece a franquia e pode servir como porta de entrada para explorar títulos antigos, inclusive no Nintendo Switch Online. Estamos testemunhando o nascimento de um clássico geracional, um jogo que será lembrado e indicado daqui a 10, 15 anos com o mesmo carinho de hoje.
Donkey Kong fez mais do que se atualizar para uma nova geração. Conseguiu mais do que simplesmente se reinventar. Ele mostrou ao mundo por que é uma marca que transcende o universo dos games. Mostrou que ele é, e sempre foi, o motivo de entoarmos com orgulho:
“Eu vim pelo macaco!”
Donkey Kong Bananza is a true love letter to fans of the most charismatic ape in gaming. With stunning visuals, an engaging soundtrack, and accessible gameplay, the game delivers a fun, heartwarming, and emotional experience, the kind that makes you smile from beginning to end. Its story, while simple, is effective, and the chemistry between characters makes the journey even more captivating.
More than just the return of a gaming icon, we are witnessing the birth of a title destined to define a generation. A game that will be remembered, recommended, and celebrated for years to come as an essential experience for any video game fan.
[Nota do Editor: Donkey Kong Bananza foi analisado a partir da sua versão para Nintendo Switch 2. A cópia do jogo foi gentilmente cedida pela Nintendo para avaliação.]
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