Você já parou para pensar sobre o quê define um herói? Os inimigos que ele enfrenta ou as adversidades que ele supera? Derrotar aquele Chefão “parrudo” ou a jornada tortuosa e virtuosa que levam o herói à batalha final? E se não houvesse um chefe final e sim apenas a eterna jornada de desafios, derrotas e aprendizados, ainda assim o herói seria um “herói”?
Pedro nasceu com uma doença rara que lhe tirava o controle das pernas. Família rica. Nenhum tratamento, remédio ou médico famoso foram capazes de dar esse ‘upgrade’ tão desejado ao longo dos 15 anos do garoto. Segundo filho de 3 irmãos. Como a diferença de idade era pouca os irmãos sempre que podiam brincava juntos, exceto quando eram brincadeiras de correr, esconder ou subir em lugares altos. E infelizmente essas eram as principais brincadeiras naquela mansão gigantesca com parquinho no quintal e piscina sempre azul. O pai viajava a negócios mais do que estava em casa, a mãe estava em casa mas, viajava em seus “negócios”. Os irmãos corriam entre os empregados da casa. Pedro só observava.
Quando a brincadeira ficava mais física e ninguém se oferecia para empurrar sua cadeira, algo muito frequente por sinal, restava ao nosso garoto levar a si mesmo para o próprio quarto, ligar seu Wii e chamar por ajuda para pegar a sua guitarra. Não era atendido com frequência porém, se tivesse persistência uma alma boa abriria o seu armário e desceria a guitarra até o seu colo. Ela deveria estar em um lugar mais fácil. Ninguém se importava. Era algo só dele e ele já se acostumou a não ser prioridade naquela família feliz. Pouca atenção. Pouco carinho. Abraços escassos. Cansou de chorar. Com a guitarra nas mãos, nada mais lhe tocava.
Pediu de aniversário uma guitarra de verdade. Com amplificador. Preta e laranja como a da capa do jogo. Mostrou a capa, olhos brilhando e esperança no nível máximo. A resposta só machucou menos que as risadas que a cercaram. Não se lembra das palavras exatas do pai, as risadas dos irmãos e da mãe ainda causam pesadelos. Não queria nada muito complexo, algo banal e facilmente encontrado em qualquer lugar, todavia o amor e a empatia algumas vezes não são negados por vontade, eles apenas não existem. Pedro demorou a aceitar esse fato. Sua guitarra tornou-se uma espada e seu velho Wii um portal para mundos e aventuras musicais. Antes “solo” do que mal acompanhado.
A cada música, solo ou erro cometido o sorriso em seu rosto e o brilho no seu olhar eram os mesmos. Usava um fone de ouvido por questões óbvias. Dedos ágeis e olhos fechados. Sabia de cór as cores aparecendo na tela. Não decorou, nem aprendeu. Viveu cada nota, melodia e ritmo com a alma repleta de esperança por um dia poder fugir daquela prisão dourada, conhecer o mundo, se machucar sem jamais precisar da ajuda de outra pessoa. Não ser apenas mais um móvel sendo empurrado para os lados sob olhares falsos de compaixão vazia obrigatória vinda de pessoas conhecidas ou desconhecidas. Ser visto e ouvido. Ser amado por amor e não por pena. Tocar almas laranjas, amarelas, azuis, vermelhas e verdes com delicadeza, precisão e melodia.
Certa vez, Sr. Jonas, o jardineiro, após o favor de pegar a guitarra perdeu alguns minutos observando o garoto tocar suas músicas e seu prazer em tudo naquele ritual. Surpreendeu-se com a destreza e habilidade do menino a cada canção terminada. Não se conteve e pediu permissão para perguntar: – Por que você gosta tanto desse jogo? Ele sorriu e respondeu:
– Não tem nada mais libertador que um solo de guitarra.
Até semana que vem…
Um mega abraço.
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