Obrigado por prestigiar a coluna neste meu primeiro post de 2021.
Como você foi de entrada de ano? É daqueles que organiza resoluções de ano novo, ou vai deixando a bola rolar?
Vivemos tempos em que é complicado manter-se otimista e nutrir esperanças quanto à realização de sonhos e projetos. Eu suspeito que nesse contexto, os games podem nos oferecer certo combustível para o espírito, de modo que possamos garantir algumas horas de sossego e aventuras virtuais que ajudem a conservar nossa sanidade.
Vou além. Os jogos nos permitem preservar a conexão com a famosa criança dentro de nós. Aquela porção sonhadora, curiosa, sedenta por explorar novos mundos, aumentar de nível e acumular rewards. No clássico Cidadão Kane vemos a narrativa do auge e o declínio de um grande magnata que, no final das contas, percebe que o que lhe realmente importava era aquela sensação de paz e simplicidade que vivenciara durante a infância. Uma época de inocência, e sem as responsabilidades e pressões por números e status da vida adulta. Nesse sentindo, os games são nossa rosebud.
Um dos pontos chaves da minha trajetória gamer fui quando efetivamente descobri RPGs através do icônico Seiken Densetsu 2 –Secret of Mana. Até então, bons games eram para mim basicamente uma experiência fabulosa de um divertido gameplay. Executar rotinas com perícia, decorar os padrões dos inimigos, manipular bem um personagem dentro da física do jogo. Já com a Squaresoft (atual Square Enix) eu aprendi que um bom título pode ir além e proporcionar a imersão numa fascinante história, na qual o próprio jogador é responsável por ditar os rumos dos personagens. O foco não era mais no gameplay: em Secret of Mana eu achei uma espada misteriosa após ter levado bullying dos parceiros de rolê, fui expulso do meu vilarejo por atrair monstros, passei a explorar o mundo atrás de novos templos… Tudo isso manipulando 3 personagens, cada um com motivações e dilemas pessoais próprios. Mas não parou por aí. Além de ter descoberto essa paixão por interagir ativamente ocm boas histórias, esse game ajudou a consolidar outra paixão que viria a se tornar minha profissão: idiomas.
A ideia de dominar um idioma estrangeiro e ter a capacidade de interagir com pessoas de outros países me cativava desde muito cedo. Foi com Secret of Mana que conheci o sabor de ler e viver uma história a partir de uma língua que não é minha. Estudo inglês desde os 10 anos de idade, e devo ter jogado esse título quando tinha uns 13, portanto já tinha certa base no idioma. Mas a experiência de me surpreender com plot twists, ficar ansioso acompanhando o destino dos personagens tendo uma língua estrangeira como meio me deixou maravilhado. Talvez em um mundo como o atual, onde internet e redes sociais nos colocam em contato instantâneo com indivíduos de qualquer parte do globo, a ideia de experenciar emoções em língua estrangeira soe algo banal. Mas para a minha versão adolescente foi algo que me trouxe a sensação de se sentir membro de algo muito maior. Poucas coisas marcam tanto nossa identidade e moldam o indivíduo que somos tanto quanto a língua que falamos. Eu então começava a me sentir de verdade habilitado e “ser em inglês”. Deixava de ser o Daniel que interagia com o mundo exclusivamenteusando uma variante do português carioca, para inaugurar uma nova versão de mim mesmo.
Logo entrei em contato com jogos da série Final Fantasy, Secret of Evermore, Super Mario RPG e, claro, o suprassumo dos RPGs 16 bits: Chrono Trigger. Os títulos da Squaresoft para SNES me serviram de porta de entrada para nerdices mais pesadas, como os próprios RPGs de mesa e a cultura pop japonesa, em seus animes, mangás e tokusatsu. Como todo projeto de otaku da época, minhas metas de vida passaram a ser 3: aprender japonês ao ponto de conseguir jogar um game no idioma, conhecer o Japão e namorar uma japinha. Tive a sorte de ter nascido numa família que me forneceu as condições para realizar todos esses sonhos (bem, talvez o último item da lista tenha sido mais mérito meu mesmo…). Desde que me mudei de vez para o Japão, onde construí uma carreira de tradutor e formei família, no início do ano revisito uma sensação de gratidão por todo apoio que recebi para realizar essas singelas metas nerds, ao mesmo tempo que tento organizar novas resolução que me mantenham motivado, e não me deixem cair no comodismo que emperra a evolução dos personagens que desempenho neste game da vida real.
A vida é um incessante grinding, e nem sempre dispomos dos equipamentos e skills mais adequados para concluir as diversas quests que nos são apresentadas. Mas cabe exclusivamente a nós projetarmos a melhor estratégia de acordo com nosso personagem, sempre que possível contando com o apoio dos NPCs com quem cruzamos mundo a fora.
E você? Quais rewards você pensa em obter neste ano de 2021?
Um ano de quests maravilhosas!
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