Palavras descrevendo o que você deveria ouvir e experimentar não faz jus de maneira alguma à experiência de uma boa trilha sonora. Isso é algo que todos hão de convir que se torna muito difícil para um jornalista conseguir criar um artigo sobre trilhas e canções de filmes, peças, e atualmente, jogos de videogame. Por isso, eu tomo este desafio como algo pessoal. Consegue destrinchar o impacto de trilhas sonoras com as minhas palavras, para você, caro leitor, poder ter um adicional ao ouvir belas composições como de Koji Kondo, Yoko Shimomura ou o ocidental, David Wise.
Para esclarecer ao leitor, eu sou sim, alguém com embasamento musical. Tenho experiência com música desde meus onze anos, então o que explicitarei aqui será por experiência prática e conhecimento cursado. Porém, não me atentarei a apenas decifrar partituras e intervalos musicais, e sim, conseguir trazer mais palavras a sentimentos abstratos. O que chamamos de “viajar”.
“Trilha”
Não há como definir por exato, o momento em que música e efeitos sonoros se tornaram parte essencial para narrativas visuais como teatro e cinema. Este inclusive, ainda inclui a séries de TV e animações que fizeram de essencial uso das músicas para muitos momentos. Por exemplo, a série de TV Sons Of Anarchy criou um grande legado de série que utiliza músicas populares e clássicas para contribuir para como a história está sendo contada, por dar reinterpretações destas e uma edição primorosa para o encaixe das canções em momentos chaves.
A animações que eu citei quase sempre vinham acompanhadas de trilhas que faziam de seu tom e composição para criar climas, ambientações e até muitas vezes uma forma dos cartoons se expressarem, quando estes não usavam da fala, por exemplo, como o clássico Tom & Jerry. Neste exemplo temos os personagens expressando suas ideias, emoções e até reações por apenas expressões faciais acompanhadas de um efeito sonoro que poderia indicar raiva, indignação, questionamento, alegria, paixão e tantos outros mais sentimentos íntimos e pessoais que os personagens pudessem estar sentindo.
O cinema hollywoodiano não fugia muito disto. Durante a era de ouro do cinema, um gênero cinematográfico que predominava as telas, de fato, eram os musicais. Não só em longas animados, como os de Walt Disney, mas também aqueles que eram representados por atores incríveis, onde o primeiro longa com vozes foi um musical maravilhoso, “The Jazz Singer”, onde Al Johnson não só protagonizou o primeiro filme com voz, mas como também não deixou de cantar, assim a música o principal elemento do filme.
Com isso, a evolução da trilha nas composições artísticas só aumentaram, com a grande revolução que bandas como The Beatles, Pink Floyd, Boby Dyllan, Velvet Underground e outras trouxeram para a indústria fonográfica sendo um pivô essencial para que as trilhas sonoras acompanhassem cada vez mais esse passo evolutivo e deixasse para trás o clichê de trilha orquestrada e gravada para simplesmente serem pontuações de sentimentos como a paixão, o desejo, a comicidade, o horror, mas sim uma forma clara e límpida de arte que acompanharia os filmes até agora, gerando faixas com grande influência e que ao ouvirmos isoladamente, nós sentimos algo como no filme, sem ter a necessidade de estar vendo um ator em cena expressando aqueles sentimentos, porque estes se tornariam os nossos próprios de agora em diante.
Foi daí que nomes como o genial John Williams surgiu, criando temas e trilhas, mesmo que ainda orquestradas, icônicas e eternizadas como as de Star Wars, Jaws, Indiana Jones, E.T., e tantas outras. Com isso pode-se haver definitivamente a fundamentação da trilha sonora artística em que o hábito de se ouvir suas faixas isoladas do recurso visual e cinematográfico se tornou comum, e criando milhões de fãs de votos que acabariam sendo o suficiente para podermos ter eventos e apresentações como os que tivemos até mesmo no Brasil, onde Senhor dos Anéis foi apresentado inteiramente com uma orquestra ao vivo que se apresentava enquanto o filme se desenrolava em uma enorme tela.
AOS GAMES
Quando os jogos surgiram, de imediato se viu necessário criar efeitos sonoros que pudessem acompanhar não só a jogatina, mas também a forma como jogar deveria ser sentido ao próprio player. Era necessário que esses efeitos fomentassem uma vontade continuar jogando, ou em muitos caso no início daquela era, não deixar de comprar fichas para seus fliperamas, por criar sensações de diversão interessantes e gostosas que fizessem ele desligar da realidade e imergir o suficiente para ter noção que o que havia a sua frente não era apenas pontos claros numa tela, em que ele realizava ações cada vez mais automáticas e repetitivas.
Com o tempo, é claro que houve uma mudança gradativa na forma como as trilhas foram implementadas nos jogos. Passaram não só a ser uma forma de acompanhamento sensorial, mas um nível novo de design artístico, já que as músicas começaram a virar temas que deveriam fazer não só que ficássemos mais instigados pelo jogo, mas agora, ela deveria criar em nós um senso de relação enorme com o que estávamos jogando, e principalmente, com quem controlávamos.
O exemplo mais clássico é a música tema de Super Mário Bros., composta pelo lendário Koji Kondo. O sentido de looping era natural já as músicas no vídeo game, mas Kondo-san criou um tipo de linguagem nas suas composições. O looping não era mais algo que demarcava que a música reiniciava para de onde veio, mas sim um elemento sutil que vinha de uma variação ou uma postergação na canção que muito conhecem como “Outro” ou “Outtro”, onde você tem o oposto da “Intro”, agora criando uma categoria de melodia específica para indicar o final da canção, que Kondo-san com muita habilidade compunha para fazer uma ligação natural com a “intro” do tema. Assim, raras são às vezes você vê alguém reclamando de algum tema de Mario, Zelda e afins, por essa grande versatilidade que Kondo tinha em construir músicas complexas e bem criativas, mesmo com poucos recursos disponíveis à época.
A MAIS IMPORTANTE
Conforme os anos foram passando, as séries de jogos conseguiram evoluir não só suas mecânicas e visuais, mas também suas composições. Notavelmente, Nobuo Uematsu mostrou como um compositor pode ser versátil em adaptar ideias musicais para os simples chipes sonoros que os consoles traziam conforme criava as belíssimas trilhas dos jogos de Final Fantasy, que chegou num ponto de excelência para o Super Nintendo quando criou a extraordinária cena da ópera de Final Fantasy VI. Nobuo-san criou um momento de pureza e sensibilidade, que cativava a gente com a letra que se seguia na tela, mesmo que não houvesse uma cantora dedicada para isso.
Óbvio que Nobuo traria muitas mais composições conforme os anos passavam que seria marcantes, lindas e clássicas, mas é definitivamente um ponto de virada na história dos videogames. Seriam anos de espera até que houvesse de fato algo que marcaria tanto os jogos como esse momento. Mais uma vez, Koji Kondo viria à tona com algo que faria toda a diferença. Um conjunto de músicas que seria um marco, onde as próximas décadas ainda seriam influenciadas por esse trabalho, que na minha opinião, é o magnum opum do grande compositor japonês.
Em 1998, Kondo traria a trilha sonora mais importante, talvez até os dias de hoje, que esse mundo já viu com The Legend Of Zelda: Ocarina Of Time. Com esse conjunto de composições, música sensíveis, amáveis, empolgantes, amedrontadoras, ambientes, épicas e tantos outros gêneros, que fariam esse jogo ser reconhecido como algo diferente no que se via até aqui. Acabaria ali a firme insistências das músicas de jogos não terem relevância. A composição neste jogo é tão importante, que a mecânica principal dele gira em torno de reproduzirmos em nossa Ocarina digital notas delas para que a canção tivesse efeito no mundo na totalidade. O exterior agora era afetado, não só o nosso interior. O próprio personagem principal, Link, teria seu íntimo invadido pelas belas composições, com canções e canções tendo laços importantes com as relações que ele fez durante o jogo.
O uso da trilha aqui é tão diverso e variado que faz com que tenhamos momentos de uso delas em gameplay, em momentos marcantes, em cenários, em falas e muitos outros encaixes que os produtores procuraram realizar. Quem não se sente naquele lugar quente e gostoso que podemos chamar de lar quando ouvimos as primeiras notas de quando entramos em alguma casa de alguma parte do mapa? Ou quando saímos para explorar pela primeira vez Hyrule Field?
Na minha opinião, nada se compara com o momento em que ouvimos pela primeira vez Zelda Lullaby. A sensação de paz, doçura e ternura é tanta que acaba criando um afeto em nós pela personagem que seria inimaginável nós termos por uma mera desconhecida. A vontade de proteger esta doce menina de todo o mal é instantânea. Essa foi a forma que os desenvolvedores conseguiram fazer essa história ir muito além de simplesmente resgate a princesa. Eles nos permitem conhecê-la. Gostar dela. Quantos de nós não entendemos o porquê de tantas pessoas simplesmente associaram Link como alguém apaixonado por Zelda, porque nós que nos apaixonamos. Nada disso seria possível sem o clima tão pacífico e encantador que seu lullaby, ou em português, canto de ninar, cria em poucas notas.
O DEPOIS
A maior bobagem é dizer que não houve trilhas tão marcantes depois dos anos 90. Na verdade, Ocarina Of Time é tão importante por ter inspirado uma geração, ou mais, de compositores incríveis. Até novos jogos de Zelda fizeram história com suas composições marcantes como o recém-relançado Skyward Sword, ou o jogo mais recente da série, Breath Of The Wild.
A verdade é que, Ocarina fez com que muitos enxergassem agora como era poderoso o que podia ser feito com as trilhas em jogos. Kingdom Hearts trouxe as músicas de Yoko Shimomura, grande colaboradora da Nintendo em Mario RPG, numa forma muito mais orquestral, criando cenários onde demonstra toda a sua complexidade e sempre inovando em suas criações, principalmente por refazer muitos arranjos de músicas da Disney inclusive, tendo em vista que são canções muitas vezes popularmente conhecidas por suas beleza e impacto sonoro.
Kow Otani é outro compositor amplamente reconhecido pelo seu trabalho primoroso em Shadow Of The Colossus, criando uma variada gama de músicas épicas e de alusão ao extraordinário que eu sempre comentei sobre como era possível aquelas músicas serem encaixadas em alguma montagem de Senhor Dos Anéis. Ali, Kow mostra sua genialidade em criar trilhas que exploram o enorme, o gigante, o imensurável, e com isso faz com que possamos nos sentirmos ali com Wander, destruindo enorme monstros colossais, que de fato, apenas suas sombras são o suficiente para nos apagar desta terra.
Para finalização deste texto, eu trago a forma criativa, inventiva, e genial que Shoji Meguro cria composições que denotam uma forma tão singela de misturar gêneros e quebrar ritmos. Seus trabalhos iniciais são muito populares e de grande reconhecimento, principalmente sua primeira composição para a Atlus, que calharia de se tornar o tema da Velvet Room. Porém, em Persona 3 que ele mostra como ele não se importa com temas, ou em seguir regras de fato, compondo faixas que misturam hip-hop com rock e fazendo um amplo uso dos vocalistas que trouxe consigo a incrível cantora Yuki Kawamura, e o rapper Lotus Juice, conseguindo criar uma legião de fãs que geralmente se resume em apenas uma música: kimi no kioku. Em Persona 4, ele tentou novos estilos, criando algo mais eletrônico junto de composições mais próximas de Jazz, usando mais instrumentos orquestrais, por assim dizer, como trompetes e outros instrumentos de sopro, além da nova colaboradora Shihoko Hirata, Reach out to the Truth sendo a favorita da maioria dos fãs.
Entretanto, é em Persona 5 que ele chega em seu auge e marca esta geração de compositores como o mais importante deles desde Koji Kondo. O Jazz Fusion aqui é fortemente presente que nos situa em relações, momentos, ambiente, cenários e tantas outras coisas mais, que ao terminar o jogo as faixas acabam criando um tipo específico de nostalgia, uma saudade de pequenos momentos que você poucas horas atrás. Uma saudade de pessoas que não existem, mas que você estreitou sua relação com eles durante mais de 100 horas da sua vida, que com certeza você um dia vai querer viver de novo para simplesmente se reencontrar mais uma vez. A dor fica por nunca mais saber deles, não ter ideia do que se deu dos relacionamentos que você criou. Tudo isso, é constantemente cristalizado pela incrível trilha que Meguro-san fez, podendo ser resumida em beneath the mask, que traz a nova cantora que colabora com o compositor, Lynn.
Que o futuro traga muito mais composições marcantes e lindas, pois o que temos agora, não deve nada ao passado!
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