Com certeza não é um assunto novo, mas certamente é algo bastante necessário de continuar falando sobre. A hipersexualização da imagem feminina nos games é um problema sério e que apesar dos avanços da indústria, é uma prática que infelizmente ainda é recorrente. No entanto, existe muita confusão quando é esse o tema das discussões e para tentar elucidar alguns pontos, trago o texto que segue.
🔹O que é hipersexualização da imagem feminina e por que ela é tão presente nos games?
Ao contrário do que muitos pensam, a hipersexualização não se trata apenas da representação de personagens seminuas, é algo muito mais amplo que isso. A definição mais acadêmica para esse termo seria que a hipersexualização se trata de “um fenômeno que consiste em atribuir caráter sexual a um comportamento ou a um produto que o não seja ou é o uso excessivo de estratégias centradas no corpo a fim de seduzir”. Trazendo para o contexto dos games, quando uma personagem não precisaria ter qualquer aspecto sexual dela evidente, mas mesmo assim tem, nos deparamos com um caso de hipersexualização, sendo esse apenas um exemplo. Traduzindo para o português mais claro: se aquela imagem foi concebida com algum grau de intenção de ser usada pra masturbação, então se trata de uma imagem hipersexualizada. Nos games, isso se dá desde lá trás, com jogos como Metroid e o evidente fetiche que é direcionado à Samus (o que persiste até hoje, exemplo disso é a Samus Zero Suit do Super Smash Bros. Ultimate), passando pela Lara Croft dos primeiros Tomb Raider (e a obsessão pelas suas tetas poligonais que fazia cidadão procurar por código pra deixar ela sem roupa), até a massiva maioria das personagens femininas nos JRPGs, o que perdura até hoje, e as ‘waifus’ (que é por si só um rolê todo problemático) de jogos como Genshin Impact. Resumindo, se você olha para uma personagem feminina e a primeira coisa que te salta aos olhos é a sensualidade dela (e se caso você for alguém que se atraia por mulheres também for uma imagem que te gera excitação em algum grau), temos um caso clássico de hipersexualização. É muito difícil pra algumas pessoas entender isso porque a gente vive numa sociedade que prega a ideia problemática de que sensualidade, sedução e certos padrões estéticos são intrínsecos, naturais às mulheres, o que não é verdade. Ser mulher é mais e/ou nem precisa ser nada disso, e alguns exemplos de representação feminina que me vem à mente de bate-pronto pra citar como casos onde não rolou hipersexualização são o da Zelda de Breath of the Wild, da Zarya de Overwatch e até mesmo a Princesa Peach do Mario (que não sofre com esse problema, mas com outros que são assuntos pra outra hora).
❗️Mas por que isso é tão presente nos games?
A explicação pode ser encontrada lá nos primórdios dessa indústria, onde foi convencionado que videogames eram algo para meninos, adolescentes e o público masculino em geral. Logo, partindo do pressuposto que seu público-alvo eram rapazes héteros, a indústria não poderia deixar (na verdade poderia e deveria) de apelar para os hormônios dos mancebos e fazer uso desse recurso baixo que é colocar personagens tidas como gostosas para ter mais um elemento para fisgar seu público (aposto que se você que tá lendo isso aqui for homem, já tentou olhar por debaixo da saia da Chun Li ou da Mai, possivelmente até pausando o jogo pra isso). O que acontece é que o tempo passou e apesar de já ter mais gente consciente desse problema, a mentalidade da indústria e do meio gamer em geral evoluiu pouco demais para que essas práticas tenham ficado pra trás. E infelizmente é comum ter toda uma geração que acha isso “normal” porque foi com esse tipo de referência que cresceram.
🔹Tá, mas por que tudo isso é tão problemático? (Certeza que você tá se perguntando isso)
Pra entender esse ponto é preciso deixar claro o que é objetificação da mulher. A objetificação se trata em resumo de tratar o outro como objeto (ora, ora…), o que no caso do que ocorre com as mulheres seria basicamente enxergar que as únicas ou principais características relevantes delas são a aparência ou o quão sexualmente interessantes elas são. Pensamentos como “tal personagem/pessoa real é bonita/gostosa e por isso casaria com ela” são exemplos simples de objetificação da mulher (e olha só que coisa, o termo ‘waifu’ significa justamente ‘esposa’). É olhar pra mulher como se ela fosse só um objeto literalmente, cuja personalidade e emoções não importam ou não interessam.
❗️E qual o problema nisso?
Na verdade são vários. O primeiro é que esse tipo de visão acaba por ser uma forma de sub-humanizar a mulher, como se ela só existisse pra ser linda e satisfazer as vontades hétero-masculinas, desconsiderando todo o resto da sua composição enquanto ser humano. Sendo que alguns desdobramentos disso podem ser relacionamentos abusivos e/ou abusos sexuais, pois se é concebida a ideia de que a mulher é objeto de desejo e posse do homem, logo suas vontades e escolhas não importam sob a perspectiva do cara que a vê como objeto. Pode parecer exagero assim logo de cara, mas lembre que nem todo problema gigante já começa gigante e que nem todo comportamento escroto se manifesta assim de bate-pronto. Outro ponto bastante grave é o quanto essas imagens femininas irreais viram problemas psicológicos e de autoaceitação de muitas meninas e mulheres, pois se personagem ou pessoa pública ‘x’ é tida como o ideal de beleza feminina, se só a aparência importa pra ser uma mulher aceita pela sociedade e se você enquanto mulher não se encaixa nesse estereótipo, você é errada e será rejeitada. Pode reparar, a primeira coisa que alguém elogia numa mulher sempre é a beleza e os ataques quando acontecem também sempre estão ligados à aparência, o que não acontece com homens.
❗️Tá, mas o que isso tem a ver com jogos?
Você deve estar se perguntando de novo e eu respondo: tudo. Porque tudo que a gente consome, as mais diversas mídias que temos acesso, videogame incluso nisso, moldam consciente ou inconscientemente nossas bases culturais e percepção do mundo, logo, se você é bombardeado com certas representações do que é o feminino, é aquilo que você terá como “certo”, principalmente se for mais jovem. Um exemplo disso é a maioria dos homens enxergarem como “natural” na mulher ser meiga, delicada, frágil ou histérica, sendo que isso não tem fundamento natural, mas sim cultural. Você pode achar que a forma que a mulherada é representada nos jogos não te influencia e não afeta sua percepção porque provavelmente não é um processo consciente, sendo que essa distorção não afeta apenas os homens, mas nós mulheres também, que idealizamos nessas personagens como deveríamos ser (exemplo disso sou eu olhando pra Bayonetta e querendo ser daquele jeito quando crescer), o que gera expectativas desnecessárias, irreais e frustrantes nas mulheres e uma concepção distorcida do feminino nos homens.
🔹Mas Malu, quem fez a representação hipersexualizada de uma mulher foi outra mulher!
É perfeitamente possível isso acontecer jovem Goomba, porque mulheres não estão em uma dimensão paralela esperando que um nobre cavaleiro as resgatem para seu deleite próprio, mulheres são seres humanos reais e que são tão influenciadas pela cultura que lhes rodeiam quanto homens, então é comum, e até previsível pela forma massiva com a qual somos bombardeadas com essas ideias, que mulheres reproduzam comportamentos e ideias que são nocivas para elas mesmas porque sempre lhes foi ensinado que aquilo era o “certo” a se fazer.
Enfim, espero que tenha ficado mais claro um pouco essas questões e como é importante que todo mundo que é videogameiro que nem eu ou você nos atentemos e elas, pois olhando na superfície pode parecer algo bobo, mas não é, por isso que a tia aqui tá sempre batendo nessa tecla. Mas caso algo tenha ficado confuso, vai ser a maior satisfação trocar ideia e esclarecer o que for possível, minhas redes sociais estarão abertas a isso, mas pela deusa, com educação! Tentei ser o mais didática e não ofendi ninguém, então espero que seja recíproco. E uma última diquinha pra você rapaz que está lendo: quando uma mina lhe apontar questões como essa, não saia refutando de cara ou tirando ela de louca, pare pra pensar um pouco a respeito. Você não precisa ficar dando nenhuma satisfação a ela e nem a ninguém, mas acredito que pensar um pouco sobre suas próprias práticas e ideias, se permitindo sair da zona de conforto, é fundamental pra ser um ser humano melhor e fazer do mundo um lugar melhor também. Da minha parte, dedico energia pra tomar atitudes como essa, pois como você, eu, e todas as minas gamers, só queremos jogar os joguinhos em paz e sermos felizes.
Acho que é isso. Beijos de luz.
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2 Comentários
Excelente (e necessária) discussão! Precisamos ouvir mais as minorias, reconhecer os problemas na indústria gamer e tentar vislumbrar possíveis soluções! Além disso, você mencionou, mas com certeza caberia aprofundar o papel passivo que algumas personagens femininas, como a princesa Peach apresentam (até os dias de hoje, diga-se de passagem… Super Mario Odyssey, cof cof…).
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