Em uma época em que o gênero RPG ainda não havia se consolidado no Japão, em 1986 foi lançado Dragon Quest para o Nintendo Famicom, e seu imenso sucesso levou e popularizou o gênero entre a população. Pouco tempo depois, Dragon Quest II foi lançado para o mesmo console e recebido, devidamente, por filas intermináveis de jogadores nas portas das lojas, apaixonados por aquele universo e ansiosos para explorá-lo ainda mais.
Ambos os clássicos lendários, que estão intimamente ligados à cultura do Japão atualmente, ressurgem nos tempos atuais com Dragon Quest I & II HD-2D Remake, que traz uma nova aparência, novas adições e mantém a mesma essência de antes. Mas será que essas atualizações são o suficiente para que jogos tão antigos sejam bem recebidos depois de tanto tempo? Confira abaixo:
História

Dragon Quest I acontece após os eventos de Dragon Quest III, quando um lorde do mal havia sido derrotado e a paz, mais uma vez, instaurada em Alefgard. Muito tempo depois, essa paz volta a ficar em xeque após um artefato sagrado ser roubado e uma nova ameaça surgir: o maligno Dragonlord. Então, o herói, descendente de Erdrick (guerreiro lendário que controlamos em DQIII), parte em uma jornada solitária para recuperar o artefato, derrotar o vilão e impedir que o mundo seja engolido pela escuridão.
DQ II se passa 100 anos após DQ I, cujos eventos levaram à criação de três reinos: Midenhall, Cannock e Moonbrooke. Todos foram fundados por descendentes do lendário Erdrick, a linhagem do herói. Tratavam-se de reinos prósperos em tempos de quietude, até que as trevas voltam a assolar as terras de Alefgard.
Monstros invadem, aniquilam e destroem completamente um dos reinos, sinalizando que os tempos tranquilos chegaram ao fim e que uma nova ameaça precisa ser derrotada antes que o mundo novamente seja tomado pela escuridão. Mas desta vez, não é uma jornada solitária: um grupo de príncipes e princesas, primos e também com o sangue do lendário herói, parte junto para salvar o mundo em uma aventura épica.

O remake adiciona conteúdo extra em ambas as histórias que, considerando os anos de seus lançamentos originais, poderiam ser vistas como curtas demais pelos padrões atuais. Novos personagens são introduzidos, novas cidades foram criadas (inclusive uma subaquática em DQII), e eventos da história clássica que nunca haviam sido explorados ganharam atenção. Tudo isso enriquece ainda mais o enredo e traz uma profundidade muito bem-vinda ao universo de Dragon Quest. Tudo sob a devida supervisão para tranquilizar os fãs de longa data.
Perceba que ambos os games trabalham com a fórmula da jornada do herói e ambos a realizam de maneira ímpar. Não espere um drama como o dos Final Fantasy mais recentes, mas sim uma viagem pelo imaginário de uma criança: aquela coisa maniqueísta do bem contra o mal, o herói contra o vilão. Atravessar o mar em uma ponte de arco-íris, salvar a bela princesa sequestrada por um poderoso dragão malvado, envolver um navio com uma bolha gigante para explorar o fundo do mar e se encontrar com as sereias…
É uma história que parece ter sido escrita a giz de cera colorido por um amante de RPGs e da fantasia, e, juntamente com o roteiro divertidíssimo (que será melhor abordado já, já), o game se transforma em um refúgio em tempos tão complexos e apressados, que recorda o jogador do que é jogar um videogame, do que é se aventurar em um mundo fantasioso para escapar da realidade, tornando talvez inapropriada a utilização do adjetivo “simples”, pois parece reduzir as sensações tão boas que a história da trilogia como um todo é capaz de proporcionar.
Arte

Tudo o que foi mencionado acima é potencializado com um roteiro muito bem escrito, que traz uma personalidade marcante para o game. Humor incrível e na medida certa, momentos épicos, principalmente no primeiro game, com a história do bravo guerreiro solitário em busca das armas lendárias, mas também momentos sentimentais e dramáticos no segundo game, com as interações entre os primos, que vão desde piadas corriqueiras até apoios emocionais.
O que impulsiona ainda mais isso é a adição da princesa de Cannock como personagem jogável e peça importante na narrativa. Apenas sua presença e a personalidade vibrante que lhe foi dada já adicionam uma profundidade muito maior ao remake do segundo game, em relação à versão de 1987.
Além do roteiro, outro elemento importante que fornece uma experiência mais imersiva à narrativa é a adição da dublagem ao game. Ouvir os personagens não apenas confere uma alma mais transparente a eles, mas também potencializa suas personalidades e torna os vários textos muito mais leves de se acompanhar.
A única ressalva é o fato de o game utilizar uma linguagem bastante arcaica, com o intuito de ambientar o jogador e tornar o universo mais épico, o que acaba afastando jogadores que não dominam algum dos idiomas disponíveis (infelizmente, o PT-BR não é um deles) e fazendo com que eles percam uma parte tão considerável quanto valiosa da experiência.

Agora falando da característica mais evidente e que está presente no título: o visual. Assim que você inicia o game e vê o personagem acordando naquele bosque verdejante, já fica completamente encantado e boquiaberto com o quão lindos estão os gráficos deste remake, visivelmente superiores aos do remake de Dragon Quest III, que já eram belíssimos.
O choque de gerações que o estilo HD-2D proporciona, o charme dos pixels aliado ao poder da tecnologia atual, oferece uma experiência que complementa e muito o gênero dos JRPGs, especialmente os da Square Enix. Histórias e gameplay marcantes e divertidas com um visual esplendoroso, enquanto o pixelado provoca aquele sentimento: “Estou vivenciando isso em um videogame. Um legítimo videogame em toda a sua essência”.

A trilha sonora lendária dispensa comentários. Os rearranjos orquestrais, assim como as ousadas novas orquestrações, estão em outro nível. Dão sentido ao sucesso que as orquestras com a trilha da franquia fazem nos teatros de todo o planeta durante todos esses anos.
Unindo todas essas características mencionadas acima, o remake também traz a adição de cutscenes ao game, todas lindíssimas e que ajudam com mais conteúdo e tempo de jogo para que os clássicos sejam devidamente reinseridos no mercado atual.
As cidades, principalmente as novas, também estão muito bem feitas, assim como as dungeons. Este remake realmente é um espetáculo do ponto de vista artístico.
Gameplay

Um JRPG mais tradicional é impossível. Os games são literalmente o que se pensa quando se menciona o gênero: batalhas por turno, subir de nível, realizar missões, explorar, conseguir equipamentos poderosos, falar com NPCs, etc. Ambos possuem opções de dificuldade: Dracky Quest (fácil), Dragon Quest (normal) e Draconian Quest (difícil).
Começando pelas batalhas, elas são as típicas batalhas por turno, onde é possível escolher uma ação entre atacar fisicamente com a arma empunhada, defender-se, usar uma habilidade, conjurar um feitiço ou usar um item do inventário. Visualmente, ao escolher uma ação, vemos as unidades se encarando em campo, mas durante o desenrolar do turno o game retoma a visão em primeira pessoa, característica dos clássicos.

Em Dragon Quest I, você controla apenas o herói, que é basicamente um faz-tudo: eficiente tanto em defesa quanto em magia e ataques físicos. Ou seja, o desafio das batalhas se resume, essencialmente, em decidir corretamente o golpe que você usará. Para isso, é importante notar que inimigos possuem fraquezas e resistências, indicadas pela cor do dano causado: vermelho para golpes mais efetivos, branco para dano neutro e azul para resistência. Diferentemente do jogo de 1986, aqui o herói não enfrenta apenas um inimigo por vez, mas também hordas de monstros.
Já em Dragon Quest II, o buraco é um pouco mais embaixo, pois agora controlamos uma party de até 4 membros. A mecânica de batalha ainda é a mesma, mas cada personagem possui sua função: um guerreiro muito resistente e forte fisicamente, porém incapaz de conjurar feitiços; um guerreiro hábil tanto física quanto magicamente; uma maga especialista em feitiços de suporte e status, mas que também possui poder ofensivo; e a mais nova integrante do remake, a princesa de Cannock, cujo estilo de jogo se assemelha bastante ao de classes ladinas nos RPGs tradicionais.
As batalhas deixam de ser apenas sobre como bater, mas também com quem e quando bater. Proteger determinados personagens enquanto ataca com outros pode ser fundamental para não perder a batalha em um único turno.
Os encontros em áreas hostis são, como de praxe, aleatórios, e ambos os games possuem um grinding bastante exigente. Portanto, dedicar tempo para subir o nível da party é empenhativo, mas necessário. Por sorte, o game disponibiliza a opção de aumentar a velocidade dos combates.

No que diz respeito à exploração e progressão, o game pode ser jogado de duas maneiras: “contemporânea” e “raiz”. Na época original, não havia indicadores de localização para cada missão. A única fonte de informação eram os diálogos com NPCs e as indicações de direção (sudeste, noroeste etc.) para que o jogador traçasse sua rota ao abrir o mapa.
Pensando nessa experiência, ambos os jogos permitem desligar as indicações de “para onde ir”, tornando a jogatina o mais semelhante possível àquela dos anos 80. Para ajudar nesse modo, foi inserida a função de salvar conversas que o jogador julgar importantes, podendo consultá-las quando quiser.
Cada canto desses jogos possui alguma coisa. Explorar é extremamente recompensador, assim como falar com cada NPC que surgir no caminho. O humor e os incríveis diálogos tornam essas explorações não apenas recompensadoras, mas leves e interessantes. Algo difícil de alcançar, mas essencial em um bom RPG. O fácil acesso à magia Zoom e às Chimaera Wings garante também que a mobilidade não seja um estorvo durante a jogatina.

Para valorizar ainda mais a exploração, o remake traz de volta as Mini Medals, moedas douradas muito bem escondidas pelo universo de Dragon Quest que podem ser trocadas por recompensas valiosas. Além delas, também estão espalhados pelo mundo os Special Scrolls, pergaminhos que ensinam novas magias ou habilidades ao personagem escolhido (desde que ele seja capaz de aprendê-las).
Com o progresso da história, desbloqueiam-se chaves e itens que permitem acessar áreas anteriormente inacessíveis do mapa, inclusive nas regiões iniciais. Portanto, é essencial lembrar da localização de portas e baús trancados para retornar a eles quando tiver como destrancá-los.
As missões vão desde puzzles mirabolantes e labirintos massivos até batalhas épicas (e complicadas) contra bosses dos mais variados tipos e estilos. As dungeons são criativas, além de lindas, e o remake adiciona algumas novas para incrementar e dar mais qualidade ao tempo de jogo.

A gameplay em geral é simples, mas muito bem trabalhada dentro dessa simplicidade, e a performance está impecável. É divertido e traz uma essência muito charmosa dos JRPGs clássicos, afinal, trata-se dos precursores de todos eles. A sensação de progresso ao desbloquear itens-chave é muito gostosa: além de criativos, eles são empolgantes e transmitem perfeitamente o sentimento de aventura em um mundo de fantasia. Alguns ainda garantem bônus e aprimoramentos durante a gameplay, o que torna tudo ainda mais fluido, realmente impressionante para dois games tão antigos.
O game é muito convidativo para novatos e conta com excelentes guias para ajudar no que for necessário, todos escritos de maneira divertida e próxima ao jogador. Importante ressaltar que só é possível salvar o game dentro de igrejas.
Dicas do Dudu
- Explore todos os cantos e fale com todos os NPCs.
- Quando sentir que um boss se aproxima, treine para subir de nível até que todos os encontros se tornem banais (sim, a discrepância de dificuldade em relação aos bosses é muito acentuada).
- Em batalha, principalmente no 2, a ofensiva pura nem sempre é a melhor opção. Tire alguns turnos para tentar impor uma vantagem em relação ao seu oponente ou proteger uma peça fundamental até que ela precise agir (principalmente a healer).
- Antes de ter acesso à magia Zoom, ande sempre com uma Chiamera Wing a mais para conseguir se salvar caso a situação fique feia e você precise bater em retirada.
Conclusão

DRAGON QUEST I & II HD-2D Remake é uma carta de amor digna daqueles que abriram as portas para que infinitos universos pudessem surgir: os JRPGs. Mas esse remake consegue ir além. Com uma história e um universo tão lindos e puros quanto divertidos, gameplay fluida e marcante e visuais esplendorosos do jeito que estão, potencializados pela trilha sonora lendária que o game possui, essas características mostram que esse pacote não precisa recorrer ao sucesso de seu passado para ser extraordinário. Nos tempos de hoje, um game que conseguisse transmitir essa essência do que é um videogame, essa identidade dos RPGs de fantasia, com todo o carinho nítido que recebe de seus desenvolvedores, venderia super bem por si só.
É inegável o sucesso que Dragon Quest fez no passado e sua importância para a indústria como um todo, e o remake, além de adicionar mais conteúdo de qualidade a esses clássicos e devidamente portá-los aos dias de hoje, é acima de tudo uma ótima porta de entrada para aqueles que querem experimentar o gênero e um gostinho da história. As únicas ressalvas se encontram no acesso limitado ao seu conteúdo, devido à escassez de idiomas para os quais os jogos estão traduzidos, e também à linguagem arcaica que eles utilizam.
No mais, o pacote está bonito, está divertido e promete arrancar boas horas de gameplay sem ver o tempo passar. Recomendado.
Dragon Quest I & II H2-2D Remake is living proof that classics don’t just survive the passage of time, they shine even brighter when treated with care. Impeccable visuals, a legendary soundtrack, simple yet fun gameplay full of identity. It’s a pure and captivating adventure, with that spirit of “a real videogame.” Its only shortcomings lie in the lack of more language options and the use of archaic wording, which may push some players away. But in the end, the package is beautiful, engaging, and packed with content. Recommended for both longtime fans and first-time players.
[Nota do Editor: Dragon Quest I & II HD-2D Remake foi analisado no Nintendo Switch 2. Uma chave do jogo foi gentilmente cedida pela Square Enix para avaliação.]


















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