[Entrevista] Pablo Miyazawa: A importância da Nintendo World para o Nintendismo no Brasil

[Entrevista] Pablo Miyazawa: A importância da Nintendo World para o Nintendismo no Brasil

Pablo Miyazawa é o alicerce principal para muitos jovens como eu, que procuram hoje trabalhar no ramo jornalístico, não só de games, como cultura pop em geral. Já foi da antiga Nintendo World, IGN, Rolling Stone e seu legado toca jovens há mais de vinte e cinco anos. Aqui fiz uma entrevista incrível com eles sobre o legado de um dos seus primeiro trabalhos, a revista Nintendo World.

Acompanhe então todo o processo de amadurecimento do jovem Pablo e como a publicação, e seus trabalhos prévios, foram essenciais para formar uma mídia especializada no Brasil, além de ver como o próprio Pablo vê a atualidade e o que pensa do futuro jornalismo. Nessa entrevista, dividida em duas partes, a primeira com o Miyazawa, e a posterior com outro excelente jornalista de games, vamos entender melhor sobre a publicação.

Project N – Você fez parte da Nintendo Powerline, que era uma hot line para aqueles que necessitavam de ajuda em algum jogo específico em que tinham dificuldade com alguma fase, algum chefe, algum puzzle. Apesar da idade, acha que isso contribuiu para criar em você um senso jornalístico?

Pablo Miyazawa Muito interessante você falar isso, Matheus, porque acho que pouca gente sabe que quando eu entrei na Powerline, eu já estava estudando jornalismo, no final do meu primeiro ano da PUC-SP. Então, naquele momento, meu objetivo era arrumar um emprego na área jornalística. Só que eu tinha noção da dificuldade disso. Era menos difícil do que hoje, mas não havia a internet tão abundante, então não tinha tantas oportunidades em sites. Havia alguns portais começando a aparecer no Brasil, só que não era o suficiente para ter um monte de emprego sobrando.

Então, eu entrei na faculdade em 1996 sabendo que eu não ia conseguir um emprego tão fácil assim e era normal naquela época você não ter a obrigação de conseguir um estágio logo de cara. Eu trabalhava numa loja de CD’s, e em seguida fui chamado pela Powerline, por um amigo meu que trabalhava lá, fazendo a entrevista e logo depois ingressando. Aí, minha preocupação maior diante dos meus colegas da PUC, era não me sentir diminuído já que todos já estavam trabalhando na área. Eles pareciam mais encaminhados que eu, que trabalhava com videogames agora, e isso me dava a sensação de que falar com crianças diariamente não tinha algo realmente a ver com a minha profissão. Entretanto, embora eu não soubesse na época, teria sim muito a ver com a minha profissão.

Se eu não estivesse lá (na Powerline), eu não teria a oportunidade de trabalhar posteriormente na Nintendo World. Então, quando comecei meu trabalho na revista em 1998, um ano e meio depois da Powerline, eu não tinha um preparo exatamente jornalístico, mas sim de público. Que no fim das contas, era jornalismo também, porque jornalismo nada mais é que você descomplicar as informações para o público, e eu já fazia isso na Powerline de certa forma, com algo bem específico que era o assunto Nintendo.

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Quando comecei a trabalhar numa revista que era este mesmo assunto, eu já sentia que conhecia aquele público, que sabia dos anseios e das necessidades deles, apesar de ser totalmente inconsciente. Eu não sabia que já estava bem familiarizado, e assim, tinha noção da abordagem de texto que eu tinha que ter com aquelas pessoas. Não pensava nisso quando comecei a trabalhar na Nintendo World. De uma forma natural os textos, as histórias, o discurso saiam como se soubesse falar com aquelas pessoas, soubesse o que eles queriam.

Isso foi interessante, por ter sido o motivo do meu encaixe, por isso que eu dei certo lá, emplaquei e, posteriormente, virei o editor, porque provavelmente eu ajudei a definir a linguagem com esse público da revista, sem perceber. Afinal, a revista não estava definida antes. A Nintendo World era uma espécie de derivado de games da revista Herói (conhecida por ter se popularizada com a febre Cavaleiros Do Zodíaco, a revista foi publicada até 2002), não existia ainda uma maneira certa de falar com um público Nintendo, a gente tratava como se fosse um público Nerd que lia a Herói, sobre anime e essas coisas. Não foi um senso jornalístico que a Powerline me proporcionou, mas sim um senso de quem era o público que eu ia tratar nos anos seguintes. Acho que isso é uma sorte que poucas pessoas têm. É como ser um jornalista esportivo, por exemplo, especializado no São Paulo Futebol Clube, só que anos antes de entrar numa rádio ou numa TV, para virar especialista no São Paulo, eu trabalhei dentro do clube, conheci os jogadores, os técnicos, a rotina. Então, não é que eu escolhi jornalismo para fazer jornalismo de games, na verdade, tudo isso acabou me escolhendo, e eu aceitei essa missão, e a levei para o resto da minha vida.

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Project N – A Nintendo World chegou no Brasil em 98, ano em que eu nasci inclusive, com um intuito de criar uma publicação que houvesse uma rotatividade de notícias sobre a empresa e seus jogos pelo país. Como você sente que era escrever nessa época, no auge do Nintendo 64 e seus lançamentos mais populares e impactantes que reverberam até hoje como Ocarina Of Time, Super Mario 64, Donkey Kong 64, Star Fox 64, Banjo Kazooie e afins? Sua experiência nessa época como redator da revista, mais tarde editor, lhe influencia em como lida com jogos hoje, seja trabalhando de alguma forma ou simplesmente os consumindo?

Pablo Miyazawa Com certeza! A Nintendo World surgiu no ano certo. O Nintendo 64 foi lançado no Brasil em 1996, simultâneo do lançamento nos Estados Unidos, em 29 de setembro, com a revista saindo dois anos depois. O 64 era um console de difícil penetração no mercado, ainda que bastante desejado, ele era muito caro, custando 600 reais na época (diga-se de passagem, e o salário-mínimo em 1996, era R$112,00), era um padrão superior, digamos assim. Não deixando de lembrar que o Playstation começava a se alastrar pelo Brasil, e a pirataria dos seus jogos era bem, digamos, popular. Um videogame com cartuchos, assim, certamente não era o mais acessível, ainda mais numa época que o Dólar e o Real eram quase equivalentes, então tudo era muito caro no Brasil. De repente, as pessoas tinham dinheiro, de repente tudo valia muito.

O 64, então, foi o console certo, porém, na hora errada. Se você pega e enxerga hoje o elenco de jogos hoje, 25 anos depois, você citou só alguns na pergunta, é impressionante! É difícil fazer uma lista só de dez, ou vinte, melhores jogos do console. É muito jogo importante. Muito jogo revolucionário para os seus gêneros, que marcou época, porém, pouca gente jogou. Então, na época, quando fizemos a revista, não tínhamos a impressão, eu mesmo não tinha essa impressão, de: “Nossa, que sorte que nós temos um console tão incrível que é o nosso foco aqui nessa revista, e todo mundo joga…

Eu tinha uma sensação de que pouca gente jogava Nintendo, que não se havia muito acesso a Nintendo, e de que era uma coisa super elitizada. Não no sentido de “para ricos”, mas no sentido de “para poucos”. Na época, nossa concorrência era a Ação Games (Em publicação até 2002), Super GamePower (Em publicação até meados de 2009) que eram revistas multiplataformas. E, corria na “boca pequena” que os editores dessas revistas acharam um absurdo quando a Nintendo World apareceu. O pensamento deles era: “Como assim uma revista para uma única plataforma? Não faz sentido, não vai dar certo.” A gente, entretanto, provou que sim, daria certo, que havia público e um ano depois do lançamento da Nintendo World, ela já era a revista de games mais vendida do Brasil, ultrapassando estas mesmas revistas concorrentes. Eu lembro bem como a gente celebrou isso quando aconteceu.

Ao mesmo tempo, porém, a gente sabia que estávamos fazendo uma revista para pouca gente, que atingíamos menos gente que as outras, porque havia menos Nintendistas do que pessoas que jogavam outros consoles. Existia uma sensação meio vira-lata, sabe, porque nem todas as empresas estavam com a Nintendo, então certos jogos legais não saíam para os consoles da empresa. Um exemplo famoso, era o Final Fantasy, que deixou de produzir jogos para a Nintendo e agora produzia para a Sony. Era muito triste isso. A gente não achava supervalorizado ter o Nintendo 64 ter como nosso objeto ali de análise, na verdade era meio triste, porque tinha muita coisa que a gente perdia.

Para você ter uma ideia, na minha primeira E3 que eu fui cobrir, no ano 2000, que era o final do ciclo do 64, eu fui só para cobrir Nintendo. Tive que ignorar Playstation e todo o resto. Eu consegui fazer uma cobertura de E3 para a revista jogando todos os games de N64 e Gameboy que estavam disponíveis, sozinho. Como é que eu consegui isso? Porque não era muita coisa e as mais legais estavam rolando em outros consoles. Então, eu sinto que na época a gente não achava que fazia algo tão essencial assim, eu acho que a gente fazia um produto para pouca gente. Infelizmente, a Nintendo era isso, ela ficou de fora da conversa. Quem era fã da revista e da empresa, eram pessoas diferenciadas, especiais, que deu origem ao que hoje a gente chama de Nintendistas. Pessoas que levam a Nintendo quase como se fosse uma religião. Na época não ficava claro para nós ainda, mas hoje eu entendo que na época a gente não se sentia tão valorizado assim de fazer uma revista da Nintendo, na época a gente sentia que éramos vira-latas aqui, porque está todo mundo jogando Playstation e a gente aqui falando de Nintendo.

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A minha experiência nessa época como redator e editor, me fez entender, principalmente como jornalista, que existe uma maneira mais adequada de conversar com seu público, e como o Nintendista é um cara muito passional, muito carinhoso, um cara muito intenso; escrever dessa forma intensa para um público intenso me ensinou muito, sobre como o público gosta de ser tratado, o que eles gostam de consumir. Se eu tivesse começado a minha carreira num veículo mainstream, num jornal, ou numa revista como a Ação Games, eu acho que eu não teria tido esse carinho nas coisas que eu faço, sabe? Do leitor… do público não se sentir apenas contemplado com o conteúdo, mas também abraçado, sabe? Tipo: “Olha, eu sei o que você sente, eu também sou assim.” Na Nintendo World a gente tinha essa permissão de se colocar no lugar no público, de mostrar para eles que a gente era mais parecido do que ele pensa, e o público se identificava com isso. É por isso que eu carrego esses fãs de Nintendo World até hoje, porque eles sabem que eu era sincero nas minhas palavras. Eu acho que é isso que eu aprendi. A minha sorte de ter começado a trabalhar na Nintendo tem a ver com isso, eu consegui criar uma maneira de lidar com o público que eu não teria conseguido em outros veículos, e hoje eu sinto que é o meu diferencial, que é essa proximidade, essa intimidade, né. Então, acho que é a experiência que eu tiro.

Project N – Com a Nintendo World, muitos jornalistas de games puderam surgir em jovens ansiosos para compartilhar seus pensamentos e poder também adentrar mais ainda a indústria gamer em geral, como foi o caso de outro muito querido jornalista, Pedro Henrique Lutti Lippe. Como você descreveria o impacto da Nintendo para o desenvolvimento e o estabelecimento da classe jornalística “gamer”, num país onde jogos e consoles sempre foram de tão difícil acesso, inclusive os da própria Nintendo?

Pablo Miyazawa Adoro o PH. Pergunta boa, aliás, belas perguntas, Matheus. [risos] Cara, eu fico muito orgulhoso quando eu escuto colegas, amigos meus, falando que me liam quando crianças, e isso os inspirou. Muitos deles que hoje estão no mercado me falam isso, me chamam de “lenda”, porque de certa forma eu fiz parte da formação deles, da leitura, enfim, das intenções deles de se tornarem jornalistas. Às vezes, quando me falam isso eu até brinco: “Nossa, desculpa, eu te influenciei nisso? Foi mal! [risos]” Eu falo isso muito porque a gente sabe que jornalismo, não apenas de games, mas jornalismo em questão é uma profissão muito safada, né. Assim, não paga bem, tem poucas oportunidades, existe muita exploração do empregador. Trabalha-se muito e poucas pessoas têm oportunidade de ganhar bem. Ao mesmo tempo, ouvir de pessoas que eu admiro que eu tenha sido de alguma forma de influência, por conta da revista que eu trabalhei, é um motivo de orgulho enorme. Eu fico muito feliz, eu me sinto, assim, como se eu tivesse feito a minha parte mesmo.

Acho que tem a ver com o que eu disse na resposta anterior, sobre a Nintendo World ser uma revista diferente no que diz respeito a linguagem, em como ela abordava o assunto e, principalmente, em como ela tratava o público. Ela não agredia a inteligência do público, não queria se didática, professora, para ensinar. Não era uma revista para adultos ensinarem crianças, era umas revistas para crianças e adolescente se sentirem parte, e acho que isso é o principal legado dessa publicação. Ela fez essas pessoas se sentirem parte, e fez ela se encantarem pelo trabalho que a gente fazia ao ponto de querem fazer parecido.

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Muita gente começou como jornalista de gamers nos anos 2000, muito porque não existia uma oportunidade de trabalhar com games, no caso, produzir games. Muita gente sonhava em trabalhar na Nintendo, e a maneira mais possível para isso era: “Ah, vou virar jornalista de games.” Conheço muitas pessoas que falam isso. Então, eu acho que a Nintendo World surgir em ’98, ela tem uma responsabilidade de ter mostrado para uma parte do público e para os jornalistas da época de que era possível você equiparar o discurso do veículo para o público. Então, assim, você consegue falar de igual para igual, sem ser babaca, e ao mesmo tempo tratando o cara de uma maneira inteligente com ele se sentindo valorizado.

Não era sobre acessibilidade. Era inclusão, num nível máximo. Para a gente, não importava quem você era, não importava de onde você veio, importava que a gente gostava da mesma coisa. E, para muita gente, a Nintendo World era a única porta de acesso aos jogos. As pessoas não tinham os jogos, e compravam a revista para ler sobre, ouvi isso muito já! Fiquei chocado, porque, a gente não imaginava quem eram as pessoas que nos liam, eu não imaginava que eram esse tipo de gente. Que não tinha acesso, mas comprava a revista para pelo menos o ter de alguma forma, digamos assim. Para muitos jornalistas, ou pessoas que queriam ser jornalistas, foi um pontapé inicial, muitas dessas pessoas que eram leitores viraram meus amigos.

Então, a Nintendo World foi mais presente e atuante no Brasil que a Nintendo em si, em muitos momentos. Então, acho que, se não fosse pela Nintendo World e esse trabalho constante de quase duas décadas, o Nintendismo não teria vingado tanto no Brasil. Porque, se dependesse da Nintendo, da empresa, das suas ações no Brasil, de como ela marketeava seus jogos em certo momento, não ia ter Nintendista aqui. A gente ia ter a mesma coisa que os fãs de Playstation e os fãs de Xbox, mas Nintendo é diferente. Você sabe que Nintendo é diferente no Brasil, e tem a ver com a Nintendo World, sim. Tanto na formação desse monte de jornalistas, quanto na formação desse monte de pessoas de mais de 30 anos, que continuam gostando de Nintendo, mesmo a empresa não dando o suporte necessário. Então, é nisso que eu vejo o grande mérito!

Project N – A Nintendo World se foi. Em 2017, a revista teve seu fim na edição 201. Desde então não temos mais notícias ou qualquer pronunciamento para uma continuidade em sua publicação. Com isso em mente, quem você acha que hoje ocupa esse lugar da Nintendo World em termos de jornalismo profissional e consumível sobre a indústria? Obviamente, as revistas não têm mais o impacto que tinham há alguns anos, então, estaríamos falando de sites ou outros veículos, como canais no youtube etc.

Pablo Miyazawa Então, para mim foi uma surpresa perceber o quão forte é o Nintendismo no Youtube com certos canais muito sérios. Se eu for citar todas as pessoas, com certeza eu vou ser muito injusto. Porque eu sei de muita gente fazendo um trabalho de muita qualidade, sites muito legais, que se eu citar e mencionar eu vou estar falhando, aí com várias pessoas que eu deveria contemplar. Mas, eu não posso deixar de falar do trabalho do Coelho, Rodrigo Coelho (Canal no Youtube Coelho no Japão), que é um amigo pessoal meu que tem vários projetos comigo, que envolvem a Nintendo, que é um parceiro. E ele para mim exemplifica essa nova geração de produtores de conteúdo, e tem vários outros como o Digplay, a Casa Do Cogumelo, tem vários outros portais e canais que eu conheço de pessoas que fazem um trabalho primoroso. Talvez, melhor do que era feito nas revistas, porque existe uma independência que a revista não tinha, que por ser oficial tinha que falar coisas oficiais. Então, não era possível cometer certas críticas. A gente não tinha essa liberdade editorial toda que o Youtuber tem.

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Acho, porém, que não só hoje existe uma independência maior, mas também como uma malemolência maior, sabe? Um conhecimento de causa maior. Quando eu participo de lives com esses caras, eu me sinto bem perdido. Fico assim: “Nossa, eu não to acompanhando. Não sei o que aconteceu. É difícil acompanhar e vocês sabem muito mais do que eu sabia quando eu tinha a idade de vocês.” Claro, hoje o acesso é totalmente diferente, a internet permite uma abertura muito maior de alcance. Você pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, e eu para saber alguma coisa de Nintendo na época […da revista…] eu tinha que viajar, ou tinha que ler em japonês, pesquisar ou esperar material oficial. Na verdade, é isso, eu não sabia mais do que as outras pessoas. Eu estava numa posição privilegiada, era editor, e eu recebia as informações antecipadas da Nintendo, não tinha a ver com um conhecimento maior. Eu nunca achei inclusive que eu fosse um grande especialista. Eu sempre me achei um cara de sorte, que está no lugar certo, na hora certa.

Entretanto, não é que a revista não faz mais falta. Seria muito legal ter uma publicação oficial rolando por aí, que as pessoas pudessem comprar e poder consumir, mas, mesmo que muita gente diga que gostaria de ter uma revista, eu sei que essa conta não fecha. Não é o suficiente para comprar a revista que vai fazer a conta fechar, entendeu? Então, é um sonho mesmo, assim, distante. Será um dia que teremos a volta da publicação? Eu sempre brinco com o André Forastieri, dono da marca no Brasil, que foi meu primeiro chefe lá na Nintendo World, que a gente deveria um dia fazer uma edição especial da Nintendo World só para testar. Ver o que acontece. Lógico, a gente não teria autorização para fazer isso [risos], a gente precisaria falar com a NOA (Nintendo of America), e eu não sei se tem viabilidade comercial. Só de pensar em fazer uma revista de novo, porém, naqueles moldes, como eram, a gente até pensa… dá para dar uma sonhada a respeito disso.

 Mas, repito, hoje o público está muito melhor. Está entregue em ótimas mãos. As pessoas que manjam de Nintendo hoje, e falam sobre isso e atingem o público, são muito melhores do que a gente era naquela época. Tem muito mais conhecimento, são muito mais versáteis, tem mais visão, talvez, são tempos tão diferentes que a gente não tem que se comparar. Eu acho que o público de hoje também é mais exigente, tem mais conhecimento, tem mais possibilidades, então, precisa-se de pessoas melhores produzindo conteúdo. É por isso que eu acho esses caras tão bons, porque o público é tão chato hoje, tão exigente, que o fato de existir uns caras que são independentes e as pessoas adoram, como esses Youtubers que eu citei… nossa! Esses caras conseguem agradar ao público mais chato do mundo, então eles são bons mesmo. Eu assisto e me sinto contemplado, então eu imagino uma pessoa que vive Nintendo o tempo todo da vida como não se sente quando assiste um canal novo desses, que é tão bom, que tem conteúdo o tempo todo, sabe? Ou esses sites que se dedicam, como é o caso aí de tantos outros que eu não vou citar agora, porque seria muito injusto.

Eu tenho muito orgulho de fazer parte de certa forma, da formação de muitos desses caras também. Por isso, que é difícil para mim, me livrar da Nintendo. Não que eu queira, mas é um lugar que eu gosto de voltar, sabe? Porque eu me sinto bem confortável, seguro, e eu sou amado e respeitado ali. E não é uma coisa forçada, sabe? Para mim é uma coisa gostosa, natural.

Project N – Seu trabalho é muito reconhecido hoje, não só por sua qualidade, mas também pela inspiração. Que tipo de palavra você teria para um jovem que tem se aproximado cada vez mais do jornalismo para sua área de atuação, seja na categoria de jogos ou não, que você gostaria de ter ouvido lá atrás? Por último. Como você enxerga o futuro do jornalismo gamer no Brasil?

Pablo Miyazawa Vou começar pelo fim. O futuro do jornalismo gamer no Brasil está na mão das pessoas que estão fazendo conteúdo hoje. Eu não acho que o caminho do jornalismo seja o veículo tradicional, aquilo que a gente entendia como jornalismo. O futuro está realmente em coisas que vão surgir ainda, ferramentas, maneiras de trabalhar que ainda não são padrão. Tem sido assim, né, essa mudança completa de paradigmas. Então, realmente, hoje o Youtube é tudo para o jovem que quer se inteirar sobre as coisas, e o cara talvez não tenha pegado num produto de papel na vida dele. É muito normal isso aí. Que que a gente vai fazer a respeito? Vamos ficar chorando? Fica falando: “Putz, a revista tinha que voltar… o jornal?” Não! É uma nova ferramenta, é a maneira que o negócio existe hoje. Não dá para ficarmos lamentando para sempre que as coisas mudaram. Então, a primeira coisa que o jornalismo precisa fazer é abraçar realmente as novas narrativas.

Eu sou muito crítico a maneira como o jornalismo atual abraçou as novas narrativas, no sentido de como usamos as ferramentas para o jornalismo, como as redes sociais. Eu acho até meio insuportável, que todo jornal tradicional, toda revista precisa ter um perfil no Instagram, uma conta no tik tok, e não sei o que, sabe? E aparecer, e falar com o jovem daquele jeito, que em cada rede social você tem que falar de um jeito. Eu acho bem chato na verdade. Eu sei que é assim, que não dá para negar isso. Mas ao mesmo tempo, eu falo: “Ai que preguiça, sabe? Que saudade, as coisas eram tão mais simples.” Mas, se você não abraça essas novas frente, você fica para trás. Então, é por isso que você tem que estar com uma presença boa nas redes sociais, você tem que estar aprender a falar em público no Youtube. Não adianta a gente achar que a única maneira de fazer jornalismo é escrevendo e publicando, e depois pôr numa banca de jornal. A gente sabe que não é.

O negócio é, para onde vai, ninguém sabe. Pode ser que daqui a cinco anos, tudo isso que a gente está falando, e todas essas ferramentas que a gente está aplicando, as redes sociais que a gente utiliza, não vão mais ser relevantes. Vai aparecer outra coisa, e ninguém sabe o quê vai ser essa outra coisa. Então, falar do futuro de jornalismo de games é fazer um exercício de futurologia. Ao mesmo tempo, o que eu sei é que o jornalismo de games sempre esteve a frente das tendências, sempre esteve surfando as ondas certas, porque o público gamer é o público mais informado e dedicado que existe hoje na Cultura Pop. É o cara que mais consome informação, mais discute na internet. Não vou nem comparar com o público parecido com os fãs de super-heróis por exemplo, porque o público de super-herói pode ser qualquer pessoa. O cara que joga também é o que assiste filmes de super-heróis, mas gamers é uma categoria de gente mesmo. É o público específico, que é muito dedicado.

Então, eu tenho certeza de que onde quer que o jornalismo de games esteja, ele vai estar na crista da onda. Vai ter gente boa o suficiente para utilizar as ferramentas certas para chegar no público. Então, eu não tenho nenhuma preocupação com o jornalismo, a qualidade do jornalismo em si, ela vai estar muito atrelada a utilização das ferramentas, né? Mas, também é porque o cara que produz conteúdo para gamers é um cara muito antenado, que vai saber o que que é bom.

Eu sinto falta de um profissionalismo maior. Acho que tem muita gente pouco profissional, amadora, e que não segue as regras necessárias do que a gente chama aí de prática jornalística. Mas, eu também posso estar sendo careta e achando que o que era bom é o que tinha antes. Eu acho que vai ter gente boa, independentemente de ter gente ruim. Então, pode ser que tenha muita gente não boa, mas vai ter gente aí que vai estar carregando nosso legado, né? Eu sempre gosto de falar assim: “Passando o bastão!” É muita pretensão falar que eu passei o bastão para essas pessoas que hoje estão atuando, mas é meio que isso. Eles estão formando as novas pessoas que vão consumir conteúdo no futuro.

[Entrevista] Pablo Miyazawa: A importância da Nintendo World para o Nintendismo no Brasil

Emendando com a pergunta anterior, o fato de eu ser relevante para elas me deixa muito orgulhoso. Por conta disso, eu só posso aconselhar coisas boas para essas pessoas que gostariam de trabalhar com esse mercado. Não há regra, não tem dica quente, não tem truque da Powerline, que vai fazer você emplacar, entrar no mercado do jeitinho que precisa entrar e fazer a coisa certa. Nada do ambiente que existia quando eu comecei existe hoje. Não existe o mercado editorial impresso, não existe um mundo com pouca internet e, portanto, com o papel do jornalista mais relevante ainda. Tem que lembrar que na época que a Nintendo World surgiu a internet ainda não era tão popular aqui, então, a nossa forma de cobrir era muito necessária porque poucas pessoas tinham acesso. Então, como é que você se diferencia se todo mundo tem acesso a tudo, né?

Por isso que é mais difícil de brilhar hoje em dia, e era mais fácil no meu tempo. Então, meu conselho, apesar de ter enrolado um pouco [risos], para essas pessoas todas que gostariam e seguir passos e sonhos, é fazer mesmo! Não há nada mais que eu possa aconselhar que poderia ser melhor que isso. Se você tem o mínimo de talento, ou você tem algo a dizer, é muito injusto com a humanidade se você não colocar isso para funcionar, se você não colocar isso para as pessoas assistirem. Eu acho que existe público para tudo, mas não existe fórmula mágica. Então, falar que: “Faz lá que seu público vai vir!” Não é verdade. Porque pode ser que você fique fazendo e nada aconteça, porque faltou alguma coisa. Mas, se você não fizer, nunca vai saber.

É um conselho que eu gostaria de ouvir hoje! Eu tenho um monte de projetos pessoais parados, e eu fico esperando a oportunidade certa de fazê-los. E, às vezes eu preciso de uma pessoa que chegue para mim: “Faz! Se não der certo, você faz outra coisa.” E na verdade é isso mesmo, a vida é bem longa se você quiser. Se você quiser que ela seja curta, vai ser, mas se você quiser que ela seja longa e proveitosa ela vai ser. Eu trabalho nisso há vinte e cinco anos, eu não vi o tempo passar. Eu jamais poderia dizer: “Nossa, eu estou nisso há vinte e cinco anos, eu estou velho.”  Mas, no fim das contas é isso mesmo. Eu estou há vinte e cinco anos aqui! Eu vi tudo acontecer! Então, eu nem sei por que eu falei isso, mas, a questão é que as coisas mudaram tanto nos últimos anos e eu sempre tive sorte de acompanhar as mudanças de uma maneira positiva. Eu acho que isso é um conselho, também. Abraçar a mudança, abraçar a evolução e não se confrontar e achar que as coisas estão erradas porque elas não fazem mais parte da sua zona de conforto. Você não precisa entender tudo que está acontecendo, mas talvez você precise aceitar e tentar tirar o melhor da situação. Se eu tivesse ficado preso aos meus paradigmas, eu nunca iria ter me conformado com o fim do jornalismo impresso, e hoje eu estou aqui fazendo internet, fazendo vídeo, fazendo podcast, fazendo coisas que não faziam parte do meu dia a dia dez, quinze anos atrás.

Então, é isso. Faça! Não deixe de fazer esperando algo melhor acontecer. Principalmente, porque a coisa de melhor que vai acontecer seja exatamente isso que você não fez. Como sabe? Só fazendo. Vai ser frustrar? Vai! Vai dar murro em ponta de faca? Vai! Parece coisas de autoajuda, né? “Se dedique que vai dar certo!” Não é assim! Você tem que se dedicar e talvez dê muito errado, você nunca vai saber. Eu prefiro que você faça, se arrisque e não dê certo, que você fique no quase e nunca tenha feito.

Não se feche para as novidades, para as novas tendências. Porque você talvez seja muito bom naquilo e não sabe por que está preso a um formato antigo e você acha que não vai dar conta. Se eu dei conta, você vai dar conta! Acho que é um pouco isso. 

Não há nada mais a ser adicionado ao assunto que o próprio Pablo já não tenha comentado. Este que vos fala é incrivelmente grato a ele, e sinceramente, nunca se imaginou entrevistando alguém tão especial, lendário e importante para seu ramo como ele. Pablo, pode ter certeza que você fez sua parte, mais ainda ajudou na parte de muitos outros!


[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Um fã de Da Vinci e Miyamoto. Não me pergunte quem é quem.