Manifesto pelo direito de valorizar a vida

Manifesto pelo direito de valorizar a vida

Calma lá amigos e amigas gamers que já estão preparando os pulmões para soltar um sonoro “NO MEU TEMPO QUE ERA BOM”, esse texto não é exatamente uma crítica aos jogos modernos ou uma ode aos clássicos jogos impossíveis. Dito isso, é a hora de abordar um dos temas mais misteriosos e amedrontadores de todo universo: a morte.

Uma pesquisa recente do Nube (um site voltado para estágios) apontou que 26% do público do site tinha como maior medo doenças e logo em seguida com 18% a morte. E não é pra menos, a morte em geral se tornou um tabu para nós como sociedade principalmente nos últimos 20, 30 anos. Com as pessoas cada vez mais morrendo afastadas (nos hospitais) o tema se tornou algo distante e motivo para desespero para toda uma geração de jovens que por natureza já são imediatistas e tementes ao que o futuro os reserva. E não por coincidência: os jogos mudaram suas abordagens a respeito…

Acredito que seja um fato hoje em dia bem claro as pessoas ligadas ao mundo dos videogames hoje de que a dificuldade alucinante dos jogos de fliperama era a forma dos criadores conseguirem lucrar mais com o jogo. Um jogo difícil (honestamente em geral injusto) e viciante era a receita perfeita para prender a atenção dos jogadores e pegar mais de seu suado dinheiro sem ele nem perceber que estava sendo manipulado para tal. Com a chegada dos consoles e a possibilidade de ter seu videogame em casa sem a necessidade de fichas na teoria abria um horizonte interessante a respeito da dificuldade dos jogos, certo? Mais ou menos.

A mentalidade dos desenvolvedores não seguiu de cara a evolução tecnológica e mercadologica que estava acontecendo e os jogos caseiros ainda possuíam uma dificuldade extremamente elevada (principalmente se comparada a dias atuais) e pode parecer que estou criticando mas me permita dizer que não, não estou. O público abraçou a dificuldade e não atoa jogos como Contra, Battletoads e Ghost n’ Goblins se tornaram clássicos instantâneos em suas épocas sendo reconhecidos até dias atuais muito devido a sua dificuldade. Esses jogos por mais que não te obrigassem a colocar uma ficha sempre que quisesse jogar possuíam um dos elementos mais interessantes que o fliperama trazia anos antes: a valorização da vida. Morrer era uma experiência frustrante, você perdia todo seu progresso na partida, perdia seu dinheiro e normalmente perdia até a vez e essa preocupação constante te forçava a cada vez que jogasse a ser melhor, aprender os padrões dos inimigos, onde eles nasciam no mapa, onde encontrar uma arma mais poderosa; percebeu alguma semelhança com a vida real?

Obviamente nenhum de nós aqui nessa página morremos (eu espero) e você faz de tudo para continuar vivo o tempo todo, uma constante batalha no qual precisa diariamente se alimentar corretamente, olhar antes de atravessar a rua, encontrar formas de sobreviver o maior tempo possível é uma das características da nossa espécie e o que nos trouxe até aqui hoje, os primeiros jogos absorveram essa ideia com louvor (mesmo que nem fosse a ideia deles).

O problema que conforme a morte se tornou um tabu, as pessoas se tornaram mais imediastas a indústria precisou se adaptar para tal. E aí entra um paradoxo muito esquisito onde estamos: conforme temos mais medo da morte na vida real somos mais imprudentes e despreocupados com ela no videogame. Se em Contra ao perder todas as suas vidas você era lançado direto para o início do jogo, em New Super Mario Bros Wii ao morrer demais o jogo praticamente passa a fase para evitar que perca muito tempo nela. Claro, existe a preocupação em não frustrar o jogador por ficar preso muito tempo numa mesma fase, mas a própria franquia na sequência trouxe uma solução mais interessantes. Em jogos de constante checkpoint, salvamento automático se tornou muitas vezes mais prático o jogador se matar e recomeçar uma batalha do que tentar vencer em desvantagem.

E em defesa aos jogos mais recentes é natural que isso aconteça, as pessoas não possuem mais horas e horas livre para se dedicar a vencer um jogo sem perder todas as suas vidas, o público busca experiências cada vez mais rápidas e partem para a próxima sem muita cerimônia (e eu me incluo nisso, todos nós provavelmente). Com tanta concorrência buscando sua atenção (Netflix, música, livro, qualquer entretenimento que imaginar) os jogos precisaram se reinventar e encontrar uma forma de não se tornar uma experiência considerada longa e repetitiva: imagine você morrer em Breath of the Wild e ter que recomeçar TUDO DO ZERO ou Mario Odissey ao morrer perder todas as luas salvas.

Com tudo isso abordado, ainda dá uma saudade do desespero para não morrer quando jogava Mighty Bomb Jack, ou a raiva de dar um pulo em falso no Spelunker, a porcaria dos Hammer Brother’s com Mario e a motivação de saber que estava na minha última vida e precisava sobreviver ao máximo até conseguir +1up e poder respirar aliviado. Esse texto não é um saudosismo a aquela época, até porque a indústria evoluiu e os jogos de hoje são fantásticos e tão revolucionários quanto aqueles de antigamente na verdade o texto é uma breve reflexão sobre a vida, o medo, e como jogar videogame pode ser um grande reflexo sobre nós mesmos. Se você leu até aqui, reflita um pouco sobre o que é a vida e o valor que damos a ela: seja fisicamente ou quando está tentando derrotar o Ganon.


[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

perdido por aí me encontre no twitter como @DoLocadora