[Jornada para Metroid Dread] Super Metroid: Obrigado!

[Jornada para Metroid Dread] Super Metroid: Obrigado!

Alguns títulos têm uma importância tão grande que viram automaticamente referências quando se avalia qualquer jogo. Não para comparar qualidade ou algum mérito, mas como uma forma de estabelecer parâmetros em relação aos elementos que um game pode apresentar. Super Metroid tem um legado tão importante e tão fundamental que, mesmo hoje, o jogo cria em nós a sensação de que ele não pode ter a idade que tem. Quando nos conscientizamos de quando ele saiu, e o que ele fez por toda a indústria, só conseguimos dizer: Obrigado!

Sakamoto, o produtor geral da série, foi abordado por Makoto Kanō, criador da personagem Samus Aran, para criar um título novo da série, mas agora para o Super Nintendo. Então, no início de 1991, pouco após o lançamento de Return Of Samus para Game Boy, começou do desenvolvimento do que seria a terceira parte da história de Metroid. Sakamoto diz que os primeiros anos foram um tempo de aprendizado, mas o interessante é que seu objetivo nunca mudou. Ele queria fazer um jogo que se assimilasse o máximo possível a um filme, “queria que as pessoas comparassem“. Sendo um jogo para um console 16-bits, com uso de pixel art, não seria uma tarefa simples, muito menos econômica. Quando o jogo terminou seu desenvolvimento, ele era o cartucho mais pesado no seu lançado, ocupando um espaço enorme, além de uma incrível ambientação que era revolucionária. Makoto Kanō, já citado, evitava se envolver em conteúdos de história ou narrativa, criando a famosa frase de que era perto de perfeito o estado em que se encontrava.

O JOGO

Nenhuma tela de título talvez tenha tanto impacto quanto a abertura inicial de Super Metroid. Vemos uma recapitulação de quando Samus invadiu a sede dos piratas espaciais em Zebes, destruiu Motherbrain, encontrou o Baby Metroid em SR-388 e o entregou a pesquisadores para descobrir formas benéficas de usar suas propriedades para o bem da galáxia.

O que impacta de primeira é o clima. Talvez não houvesse jogo algum que causava aquela sensação intrigante ao ver a capsula do Bebê Metroid ali disposta no centro da tela, cercada por cientista mortos e ensaguentados. Não eram só os padrões Nintendo que cruzavam uma linha aqui, eram os videogames de aventura em geral. Mesmo que Mortal Kombat fosse lançado dois anos antes, aquilo era chocante e polêmico, não tinha a mesma conotação cativante que temos aqui. Por que eles foram mortos? Quem poderia fazer algo assim? Óbvio que para os padrões de hoje, todos nós sabemos já o que houve e achemos até algo simples depois de tantos anos com a indústria se desenvolvendo na forma como suas narrativas podem ser sérias, sombrias e exageradamente dramáticas em certos pontos. Entretanto, na história, contexto é tudo, e Metroid fez uma baita de uma bela história.

[Jornada para Metroid Dread] Super Metroid: Obrigado!
Bebê Metroid no centro cercado por cientistas mortos

Samus Aran, que já havia partido para outra missão após entregar o Bebê Metroid aos cientistas em Ceres, a estação que vemos na tela títulos, recebe um chamado de alerta indicando que algo terrível aconteceu. Ao retornar, ela dá de cara com a visão que temos ao iniciar o jogo e passar por mais salas ainda de pessoas mortas até se deparar com seu arqui-inimigo, Ridley. Enquanto no primeiro Metroid este tinha um papel bem mais de um sub-boss, aqui já são apontadas a importância dele como um vilão pessoal para a própria Samus. Uma luta acontece, mas Ridley foge e ativa o protocolo de autodestruição da estação, fazendo com que Samus começasse uma fuga desenfreada com poucos minutos sobrando.

Ao escapar, ela rastreia os piratas até seu antigo lar, Zebes, o mesmo cenário do primeiro Metroid. Muitos anos se passaram e agora a maior parte da base pirata foi reconstruída. Samus parte então na busca pelo bebê Metroid desaparecido, além de ir cada vez mais fundo nos interiores do seu antigo planeta de criação, onde a raça de pássaros avançados intelectualmente conhecidos como Chozo a criaram.

A narrativa aqui tem diálogos, mesmo comparada a dos remakes de seus antecessores, mas são utilizados como uma forma introdutiva, nada que desenvolve e acrescente a personagens em geral. Porém, aqui não podemos considerar os remakes de seus antecessores. Aqui é um pilar sendo erguido, não só na franquia, como nos videogames em geral. Se deve muito a Super Metroid essa forma de narrativa que hoje possa parecer bem mais simples, mas que naquela época era densa e cheia de acontecimentos marcantes.

Quando Sakamoto disse querer fazer algo que pudesse ser comparado a um filme, ele excedeu expectativas de muitas formas. Final Fantasy VI pode ser um dos poucos jogos que àquela época conseguiram trazer esse fresco cinematográfico para o mundo dos pixels nos consoles 16-bit. Mas até lá ainda haviam limitações de certa forma para como os acontecimentos acabavam impactando como algo realmente de ação, já que as cenas que mais lembramos são aquelas mais emocionantes e sutis. Super Metroid foi além e trouxe algo digno de um filme de ação de James Cameron, já que poucos anos antes havia saído Exterminador do Futuro 2. As pausas aqui são usadas para criar uma tensão ou de explorar o desconhecido, nunca momentos de freio emocional em que nós somos tirados do investimento que estamos fazendo aqui. Somos Samus Aran. Estamos ali perdidos com ela, enfrentando inimigos monstruosos juntos e quando conseguimos escapar daquele lugar perigosíssimo, sentimos o alívio quase como um só coração, metade carne, metade pixelado.

A VERDADEIRA INOVAÇÃO

Desmerecer a narrativa imersiva e extremamente bem criada aqui não é meu objetivo. Porém, o que eu acredito ter sido a real revolução que Super Metroid trouxe foi em suas mecânicas. Como eu disse antes, nas últimas duas reviews dessa maratona (Metroid – Zero Mission e Samus Returns), consideramos os dois jogos antecessores muito rasamente pela falta de conteúdo que eles apresentam hoje para uma análise aprofundada. Eram experimentos e testes com ideias bem planejadas, mas que aqui em Super Metroid chegariam a ser consumadas como pilares para erguerem muitas construções posteriores. Por isso temos que desconsiderar quaisquer remakes de Metroid 1 e 2 para termos noção de que esses remakes só são o que são pelo fato de Super Metroid ter existido antes.

[Jornada para Metroid Dread] Super Metroid: Obrigado!

Apesar de ser a terceira entrada da série nos videogames, nada preparou o mundo para o que ele traria. Ele evolui tudo que seus jogos de origem vinham tentando fazer com os elementos clássicos de backtracking e sua ambientação sci-fi, pesadamente inspirada nos filmes Alien, e cria mais elementos que fariam com que jogos no futuro não conseguissem deixar de se inspirar em um elemento ou outro, fazendo assim com que acabasse saindo de uma tendência para um gênero, o Metroidvania, que anos mais tarde seria corroborado com a ajuda de Castlevania: Symphony of the Night.

Aqui nós vamos ter pela primeira vez o uso integrado de um mapa na série, que vai sendo construído conforme nós exploramos e progredimos em procurar rotas alternativas e caminhos escondidos. Porém, o jogo não nos dá aquela terrível sensação que temos em alguns jogos que estamos jogando algo que parece mais cartografia, por seus cenários serem tão importantes quanto o próprio mapa para podermos entender para onde podemos ir, que tipo de situações nós nos encontramos, quais são os caminhos que ficaram em aberto. A importância do mapa aqui é restritamente ao uso direcional, pois as mecânicas principais que envolve achar aprimoramentos para sua armadura, não só armas como também upgrades, em geral, para podermos chegar a pontos que antes pareciam inalcançáveis.

Na maior parte das vezes, esse jogo vai fazer com que você possa sentir que não tem mais para aonde ir. Você já tentou de tudo. Já experimentou todos seus recursos disponíveis. Mas, a verdade é que tem sempre um jeito. Os designers desse jogo conseguiram criar um mundo vivo e coerente, onde eles conseguiram prever todos os tipos de situações possíveis que você pudesse acabar desanimando ou se frustrando por não saber como voltar, ou progredir, ou simples o que fazer, sempre te surpreendendo com as várias saídas criativas que eles poderiam criar.

[Jornada para Metroid Dread] Super Metroid: Obrigado!

Em muitos casos, é sim, frustrante algumas dessas formas de escapada. Hoje, por exemplo, muito dificilmente você terminaria o jogo sem um guia. Eu fiz 72% jogando para esta review, e em algumas áreas eu precisei procurar ajudar para entender o que eu realmente tinha que fazer para poder escapar. Entretanto, acredito que muito disso vem da limitação da época em produzir algo mais nítido e pudesse ser mais direto, tendo em vista que estamos falando da terceira geração de videogames e segundo console da Nintendo. Não era simples criar jogos com características em demasia na tela, eram necessários um esforço de logística no que poderia ser apresentado em cada cenário para que fosse viável o jogo caber em um simples cartucho de um console 16-bit. Mesmo assim, o jogo impressiona os olhos com tantos ambientes e background complexos demais para a época e que até hoje impressionam com base no que foi feito durante muito tempo depois. Eu diria que apenas Donkey Kong Country poderia competir com tanta criatividade assim para os cenários.

Apontando para o que realmente vamos definir se é um bom jogo ou não, os controles hoje talvez não sejam palatáveis de primeira. Não seria uma situação confortável depois de tantos jogos que se apropriaram desse estilo que mescla a ação com plataforma, voltarmos lá para a gênese de tudo, onde eles foram refinados pela primeira vez. Mas, a bem da verdade, é só questão de tempo até você se acostumar e acabar se sentindo em casa. Não é que seja datado, só não é tão fluido como alguns jogos nos fizeram acostumar com tanto aprimoramento. Os famosos wall-jumps quase me fizeram assar os dedos tentando durante muito tempo, além de outra coisinha aqui e ali. Com o tempo, isso tudo vai ficando de lado e criando uma sensação em você de domínio da técnica, porque muito provavelmente você vai querer continuar a todo custo. Quer ver até onde aquilo tudo vai, e como é o final daquela história, deixando de lado até a dificuldade em geral que o jogo apresenta.

Falando nisso, a dificuldade apresentada aqui é algo que eu fiquei realmente impressionado. Não tenho o costume de querer desafios desbalanceados apenas para inflar meu ego, então eu realmente sei reconhecer quando um jogo é difícil de verdade, não só algo que eu tive que me esforçar para passar de um obstáculo ou algo assim. Super Metroid é de longe o jogo que eu mais tive dificuldade na minha vida. Não é só uma questão de técnica com os controles, mas os designers fizeram um jogo que você precisa dominar e pensar a todo momento, sempre precisando fazer um raciocínio, muitos vezes bem rápido, de tudo que está ao seu redor e podem te acometer a morrer, criando situações muitas vezes de desespero. Não se trata de inimigos fortes demais ou nada do tipo, porque o jogo é muito bem balanceado nesse sentido. Mas é sobre como você pode derrotá-los, que se tratando de chefes, existem muitas maneiras, e na maioria delas você vai precisar repetir batalhas algumas vezes para entender o esquema, ou o que acontece com frequência, você criar o seu próprio. Não focando só no que você precisa fazer para atacar e tirar vida do boss, mas o que você realmente está deixando passar que está fazendo você acabar levando dano e morrer muito rápido.

[Jornada para Metroid Dread] Super Metroid: Obrigado!

Queria ressaltar a parte final do jogo, que temos um Boss final muito interessante que, como tudo que encontramos aqui, é uma evolução de um elemento dos primeiros jogos. É incrível a sensação de medo e desespero que você encontra ao chegar na área final, mas mais ainda o que Sakamoto aqui faz para nos dar um desfecho surpreendente e que até nos toca emocionalmente por se relacionar diretamente com a narrativa, criando assim o primeiro título Metroid que vamos ter um enfoque maior na história e Lore do jogo, e que daqui para frente só seria mais e mais explorado, tanto na série principal, quanto seus spin-offs na série Prime ou em Metroid Other M.

Poderia ser realmente declarado ser aqui que é estabelecido haver um arco que Sakamoto chamaria anos mais tarde de Arco dos Metroids, que teria continuação em Fusion e agora com o vindouro Dread vamos ter sua conclusão. É interessante ver isso por se tratar de um IP da Nintendo, que não costuma ter esse enfoque todo num arco narrativo que desenvolve seus elementos em jogos sequenciais. Zelda demorou décadas para que sequer fosse confirmado haver de fato uma ligação entre os jogos. Ponto para Sakamoto e cia.

UM APELO

Eu não acredito que existam jogos irretocáveis ou obra perfeitas. Porém, Super Metroid se aproxima muito disso e que até mesmo eu mencionar isso me causa um pouco de desconforto. Mas, acredito que este deva se tratar de um jogo que necessita de um relançamento próprio, dada a sua importância, que pelos fatores de época que comentei aqui podem acabar afastando curiosos pela franquia, não valorizando o jogo como deveria.

Este jogo deveria ser tratado como o que ele é, um pilar na indústria. Não acredito precisar de um remake com modelos 3D, ou algo parecido com o que tivemos em Samus Returns, pois os sprites do jogo original ainda se mantém muito bonitos e cativantes até jogo. Mas seus controles mereciam um retrabalho para ficarem mais fluidos para os tempos atuais, e pelo amor de Deus, alguém coloca esse jogo em widescreen, porque é frustrante algo tão bonito e incrível visualmente ter aquele aspect ratio quadrado que limita tanto a nossa apreciação. Não é um trabalho difícil ou caro, só é necessário carinho.

AINDA VALE?

Vale muito, não só por sua importância, mas como experiência. A franquia Metroid é uma das minhas favoritas da BigN, e que por muito tempo passa despercebida e até desvalorizada, mas o fato é que, se você experimentar algum jogo da série, eu tenho certeza que você vai entender o que tanta gente fica se lamentando por não ter tantos lançamentos ou por aniversários deixados de lado, criando uma sensação de vira-lata na comunidade Nintendista. Por isso, se você quiser realmente conhecer Metroid, ou entender porque há tantos jogos hoje que carregam esse nome no gênero em que eles são vendidos, Super Metroid não é só obrigatório, é a melhor escolha.

Super Metroid hoje está disponível no serviço online do Nintendo Switch, com muitos outros maravilhosos jogos de Super Nintendo.

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[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Um fã de Da Vinci e Miyamoto. Não me pergunte quem é quem.