Primeiramente tenho que dizer que essa coluna é baseada apenas nas minhas vivências e experiências com a Big N. Por mais óbvio que pareça essa afirmação e redundante visto que se trata de uma coluna autoral de alguém que sempre se baseia nas suas próprias percepções na hora de escrever, fica aqui um alerta tanto para o leitor quanto para o autor, é uma coluna baseada nas memórias afetivas de um relacionamento unilateral cheio de expectativas e decepções. Que ambos não se deixem enganar, afinal, não se trata de uma carta de amor.
Não é uma carta de amor. Cartas de amor são românticas e cheias de promessas. Enobrecem quem às recebe com palavras de dedicação e juras eternas. Não buscam analisar o sentimento a fundo, destrinchando sem vaidade as nuances mais problemáticas da relação. Não obstante, existe aqui sim um amor profundo e longínquo. Um amor que nasceu do encantamento, amadureceu nas adversidades e caminha hoje adulto e consciente das falhas em ambos. Pode se dizer que é um amor materno. Materno, pois nasceu dele a paixão pelos jogos, a curiosidade por mundos maravilhosos e a necessidade de vencer não só os inimigos virtuais como também as limitações físicas forjando na brasa firme da repetição a memória muscular de dedos cada vez mais ágeis e olhos ainda hoje aguçados. Nascido naquele primeiro console com o primeiro Super Mario Bros esse amor agora é visto pelos olhos do “filho” numa autoanálise sincera, sem vaidade ou rancor. Apenas amor.
Eu amo a Nintendo mesmo antes de saber quem ela é. Como um filho que recebe da mãe carinho, atenção e alimento muito antes de saber o real papel daquela mulher na sua existência, o que envolveu a sua concepção e tudo mais, recebi da Nintendo mundos a serem explorados sem precisar sair de casa, aventuras que não eram minhas foram vividas por mim no conforto do sofá alimentado pela adrenalina e endorfina resultantes das derrotas e vitórias, cresci sedento por mais, ansioso por mais e pouco afeito ao mundo exterior. Não fui um recluso, pratiquei esportes, namorei e conheci o mundo. Todavia, sempre que a escolha se apresentava, o mundo dos jogos era mais atraente e sedutor, viciante e satisfatório, seguro e ao mesmo tempo nocivo. E como um filho mimado obrigado a encarar o mundo real sem a proteção da mãe fui em busca de novas realidades e aventuras. Amadureci com outros consoles olhando com inveja tudo que a Nintendo oferecia e que por inúmeras razões eu não poderia ter.
O primeiro passo para o amadurecimento consiste em aceitar as próprias limitações e limites num mundo que não dá nada de graça e se der, tenha certeza que não foi de graça. O mundo dos consoles. Um mundo em constante evolução que não tem piedade daqueles sem recursos para viver nele. Compre, jogue, compre jogue, console novo, compre, jogue … etc. Nascido no Nintendinho, crescido e educado no Snes e N64 me vi num mundo adulto e sem condições financeiras de estar com a mãe no Gamecube. Caro demais e pouco acessível, tive o primeiro choque de realidade ao ser chutado do ninho sem saber voar. A mãe me colocou para fora de casa e cheio de fúria eu jurei jamais voltar após aquela traição. Orgulhoso e cheio de mágoa invejei em segredo descarado todo e qualquer Gamecube nas vitrines durante uma década até finalmente comprar um usado que foi usado ao extremo por mim.
Mesmo com a reconciliação, a angústia havia deixado marcas profundas e uma ansiedade absurda veio à tona com o lançamento do Wii. As inovações do novo console juntamente com o novo Legend of Zelda: Skyward Sword afloraram no filho pródigo um medo e ansiedades nunca vistos. Me vi buscando empréstimos, promoções e formas pouco inteligentes de conseguir comprar aquele novo presente oferecido pela “bondade” da mãe. Não julgue minhas palavras por cinismo. Era exatamente assim que eu me sentia. Obcecado por um amor que remetia a infância, as melhores partes da infância, na alegria do abraço virtual que substituiu muitas vezes o abraço real, adquiri o Wii com muito custo, um mês antes do lançamento do Wii U. Traído novamente, após descobrir que Breath of the Wild me seria negado, sai da casa da mãe e só retornei quando me tornei pai, com um olhar mais compreensivo e menos rancoroso. A mágoa ainda estava lá, entretanto ela não mais importava.
Quando um filho olha para os pais com um olhar de pai percebe não só a humanidade dentro daquelas pessoas como também entende as suas escolhas, seus defeitos e limitações na luta de tentar dar o seu melhor mesmo que não pareça ser o melhor naquela hora. A tentativa e erro num jogo em que se é protagonista e coadjuvante ao mesmo tempo, no esforço de corrigir falhas em um roteiro que não é seu e sem a menor ideia de como tudo irá terminar, tentando de todas as formas ser perfeito dentro da própria imperfeição. Dentro desse olhar nascem um perdão e uma compreensão que ao mesmo tempo libertam e aprisionam. Libertando da cobrança injusta pelo que poderia ter sido (e não foi) e aprisionando na cobrança injusta de como ser diferente e melhor apesar do jogo ser o mesmo.
Hoje, depois dessa reflexão, apresento o Mundo da Nintendo às minhas filhas como uma nova forma de diversão. O velho Wii e seus vários jogos serão o primeiro contato delas com tudo que a Nintendo pode oferecer, suas melhores qualidades e seus piores defeitos. Seu carinho ocasional e sua frieza empresarial. Seus personagens carismáticos e seus executivos gananciosos. Suas lindas cores e seus horrendos valores na forma do ainda inalcançável Switch. Na esperança que elas possam viver um amor mais sadio e sem mágoas, vendo a empresa como ela é: uma empresa. Que oferece produtos que podem ou não ser comprados de acordo com a sua realidade e necessidade. Espero.
Quanto a mim, sou eternamente grato por tudo que esse amor de mãe me ensinou. Tudo que vivi e sofri nele na esperança dos jogos que nunca joguei e que um dia irei jogar. Eu posso ter saído muitas vezes da casa da mãe, mas esse amor… ah esse amor… jamais sairá de mim, afinal… amor de mãe… dizem… é o único amor verdadeiro.
É, acho que é sim uma carta de amor.
Bom final de semana a todos. Fiquem bem.
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