[A propósito da semana da criança que passou, e da estreia da coluna, um texto sobre as raízes de todo gamer.]
Em um desses gameplays da vida, determinado influencer brasileiro mencionou que uma das lembranças que Super Mario Bros. 3 lhe traz é a de sua mãe ajudando-o naquelas fases de bônus em que é preciso alinhar as três partes de uma mesma figura. Apesar de não manjar nada de games, a dona por algum motivo era craque naquele cenário.
E quem de nós não tem uma porção de episódios de infância envolvendo nossos jogos favoritos? Os revezamentos de joystick com primos e amigos, horas e mais horas nas locadoras, a sexta-feira que nunca chegava para que pudéssemos passar o fim de semana com nosso game, brigas com o amigo apelão, talvez aquela paixão de adolescência que também rendia a parceria de co-op local preferida…
Seja você jogador soft ou hardcore, e até mesmo quem tenha se afastado do mundo do entretenimento eletrônico, os games ajudaram a desenhar nossa memória afetiva e certamente são parte integrante do nosso caráter e da forma como nos relacionamos com o mundo. Processo semelhante ocorre com nossos livros, músicas e filmes favoritos. E no caso dos games, temos um misto disso tudo: eles contam as histórias que aprendemos a gostar durante a infância, suas trilhas sonoras possuem lugar cativo em nossos corações, e as imagens e fases que tantas vezes revimos estão gravadas na nossa memória como se fossem verdadeiras obras-primas do cinema, ainda que estejam em 8 bits.
Ainda na época da filosofia pré-socrática, discutia-se a importância do “espanto”, a necessidade de se adotar uma postura de curiosidade ativa que permitisse às pessoas deixar-se admirar pelos mistérios do mundo. A vida é uma sucessão de improbabilidades, de descobertas dignas de celebração. Gosto de pensar nos games como um ambiente em que constantemente treinamos nossa capacidade de se espantar a cada descoberta. Uma forma de nos reconectarmos com aquela parte curiosa de nós mesmo, sempre disposta a explorar, evoluir, conquistar. Curiosidade essa que infelizmente tendemos a deixar de lado com as obrigações e as convenções do mundo dos adultos.
No Atari do meu irmão mais velho, eu ficava fascinado com a mecânica de ir pulando nos blocos de gelo para ir formando o iglu antes que o personagem morresse de frio, fugindo de ursos polares, caranguejos e outros bichos. A cada fase conquistada, um novo desafio, e mais adrenalina.
Tudo aquilo me impressionava muito como espectador, mas eu ainda era muito novo para viver bem aquelas experiências como jogador ativo. Meus próprios espantos viriam mais tarde. E foram muitos. O mais forte deles deve ter sido quando fui apresentado justamente ao Super Mario Bros. 3, tema também da memória afetiva do querido Youtuber citado anteriormente. A começar pela rica trilha sonora que fazia milagres naquele limitado aparelho, produzindo arranjos que iam do reggae, folk, passando até por aquele metalzinho do mundo 8.
Sou aspirante a gamer tiozão, mas totalmente entusiasta das novas tecnologias. Que venham 4K, 8K, 16K… Muitos FPS, cloud gaming, realidade aumentada… Mas que nunca percamos nossa capacidade de nos espantar. Mantenhamo-nos curiosos, de modo que a busca por recordes de speedrun e coleções de achievements nunca ofusquem a curiosidade por explorar novas fases, salvar novas princesas, derrotar novos robôs ou obter a nova Master Sword.
E você? Quais jogos são o seu “Super Mario Bros. 3?” Qual cena/fase de que jogo provocou aquele espanto gostoso do qual você não se recuperou até hoje?
[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]
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