Diamantes e Resiliência…

Diamantes e Resiliência...

O ser humano é um ser de hábitos e rotinas. Acordar, trabalhar, dormir e tudo entre essas coisas trazem segurança, paz e previsibilidade. Alfredo sabia que não precisava se preocupar com nada nesse mundo pois já tinha seu plano pra vida. E tudo estava perfeito. Porém, até o mais valioso dos diamantes tem pequenas imperfeições.

Alfredo trabalhava desde o doze com o pai, sapateiro. Seguiu a profissão até os 20 anos. Depois foi buscar o que amava fazer, consertar televisores e afins. Fez curso e abriu sua loja. Conheceu sua esposa Marta aos 32 e casaram um ano após. Uma parceira de vida. Compraram uma linda casa e planejaram tudo até os mínimos detalhes. Ambos de Capricórnio (gostavam de frisar) deixavam pouco ao acaso. Até a filha, Gabriela, foi planejada. Seria só ela, mas teria tudo do bom e do melhor que seu dinheiro pudesse comprar. Tudo como planejado. Marta faleceu 2 anos depois. Câncer no intestino.

Criou a menina sozinho. Ouvia os conselhos dos amigos e da família, entretanto seguia o plano que criou com a sua eterna esposa. Adaptou a loja para tempos mais modernos. Consertava consoles e aparelhos de DVD. Gaby amava ajudar o pai e reconhecia todo seu esforço. Estudiosa e educada. Marta teria orgulho. Cresciam juntas. Gaby e a loja. Gaby na loja. Questionadora. Amava sanduiche de mortadela. O preferido da mãe. Sempre levava um pra casa. A loja era onde tudo acontecia e tudo estava perfeito dessa forma.

As tardes um rapaz sentava na calçada em frente a sua loja e ficava olhando o televisor onde os meninos jogavam Super Mario World no Snes que ele alugava por 1 real a cada 30 minutos. Os olhos dele brilhavam. Se chamava Renato. Magrelo e com olhos desconfiados. Alfredo sempre lhe comprava um lanche ou marmita da padaria da esquina. A principio Renato recusava, mas com o tempo foi criando mais confiança e sorria vendo o “bigode” correr pela tela. Alfredo achava engraçado o apelido. Era um bom rapaz. Merecia uma sorte melhor.

Adaptou a loja mais uma vez. Aprendeu a consertar celulares. Gaby estava terminando o ensino médio e cheia de vida. Ela ganhou um 3DS vermelho no seu aniversário de 16 anos. Choraram juntos pensando em tudo que viveram até aquele momento e como sentiam falta de Marta. Ela jogaria com você, Alfredo dizia, eu sou péssimo. Ele não era. Era perfeito para Gaby. Mesmo com pequenas imperfeições.

Certo dia um rapaz “corpudo” entrou na loja com um celular na mão. Estava nervoso e suando. Embriagado. Alfredo não fez nada além do que o rapaz pediu. Trocou a tela do celular quebrado. Por algum motivo isso deixou-o ainda mais nervoso. Algo sobre traição. Redes sociais. Marina. Quando aquela mão enorme bateu no balcão de vidro ele pediu que o rapaz se retirasse. Renato perguntou se estava tudo bem e com a afirmativa disse que iria até a praça papear um pouco. Gaby passava pela mesma praça e eles por algum motivo não se conheciam. Alfredo nunca os apresentou. Super protetor. Uma de suas imperfeições. Mandou uma mensagem pra ela. Dia de prova. Boa sorte, minha princesa. “Headshot”.

As pessoas apreciam diamantes pela sua beleza e raridade. Quanto mais perfeito, mais caro. Quanto menos imperfeições, mais raro. Poucos sabem que essas pedras preciosas foram “forjadas” no calor intenso e na pressão absurda por debaixo da terra. Lá no fundo, bem lá no fundo existe um atrito necessário para que um diamante nasça e seja apreciado aqui em cima. Eles jamais serão perfeitos, ainda mais quando se olha bem de perto.

Sentado no quarto da UTI, olhando para Renato deitado no leito dormindo, Alfredo chorava com o 3DS de Gaby nas mãos e não sabia o que fazer. A menina que ele salvou estava no quarto ao lado. Ela estava em choque, não quis incomodar. Renato acordou e o máximo que Alfredo conseguiu fazer foi dar-lhe o 3DS com o Mario 3D World. O preferido de Gaby. Ela iria gostar que fosse dele. Deviam ter se conhecido, ele pensou. Deu seu contato na recepção para pagar as despesas de Renato e foi para sua casa planejada, perfeita e agora vazia. Chorou. O que mais poderia fazer?

A Loja Diamante continua aberta e funcionando no mesmo local e horários. Alfredo continua estudando e atendendo bem seus clientes. Pegou um ajudante para dividir a carga. Renato. Deu um quarto para o garoto que logo terá a sua própria casa comprada com suor, estudo e dinheiro honesto. A foto de Gaby observa os dois trabalharem e conversarem sobre as amenidades da rotina diária ou quando Marina aparece para falar sobre o psiquiatra que Alfredo ajuda a pagar. Gaby iria gostar. Marta também.

Estava tudo perfeito, com eternas imperfeições.

Fim.

Bom domingo e fiquem bem.

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[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Nerd, nostálgico, pai e professor. Reclamador profissional com PHD em Harvard. Conheço o Mario, e daí? Assopra a fita e bora jogar! Canal Juninhos Fun Club no Youtube!!!