A mente humana é um lugar perverso para se conviver. Muito mais que filmes, jogos ou contos de terror, o nosso psiquê é o que de fato nos real assusta. O abismo em que ela pode se aprofundar é algo destrutivo não apenas para nós mesmos, mas para nossos entes queridos que ali estão em volta.
E o que mais assusta no seu poder destrutivo é o silêncio que aos ouvidos daqueles em volta observam tudo, mas não por falta de empatia ou qualquer ausência sentimento de benevolência que você possa ter com o próximo, mas porque nem sempre aquilo que vemos na expressão da face, é de fato o que o ser humano passa enquanto vive. Gylt, jogo desenvolvido pela Tequila Works traz uma narrativa forte em meio a um jogo que busca em meio ao caos, a busca pela luz e mostrar que nem tudo é o que parece ser.
Originalmente o game foi lançado em 2019 como titulo exclusivo do Google Stadia e teve seu port lançado para Nintendo Switch no último dia 14 de março. No game, vivenciamos a personagem Sally em sua luta para encontrar sua prima desaparecida Emilly, O game já inicia de maneira bem comovente com a personagem principal colando cartazes de busca até ser surpreendida por um grupo de bullies que tentavam atormenta-la com aquelas infames piadinhas que já nos deparamos em algum momento de nossa vivência.
Ao retornar para casa, Sally nota que simplesmente tudo está destruído, tudo totalmente irreconhecível, trazendo totalmente a sensação de estranheza de uma Bethelwoow que há poucas horas era uma cidade totalmente normal até que de repente, sua prima esta ali, pedindo socorro, presa na escola e sem nenhum adulto ou qualquer pessoa para poder ajudar.
A partir desse momento, é importante frisar a força que a narrativa tem para empurrar esse game para frente. A essência esta ali no cenário, nos diálogos, no andar do jogo. É um game forte que mostra o quão uma simples brincadeira para um valentão da escola pode ser de fato algo difícil para ser encarado por quem sofre. O jogo transparece com maestria o sofrimento da personagem com o seu cotidiano, toca na parte sensível da comoção para evidenciar a tristeza que ali paira. O game tem um visual que até puxa para o que aparentemente será algo bem leve, mas é nos detalhes da trama que está a grandeza do filme.
Fica aqui um apelo: não vá apenas para enfrentar os monstros, não busque apenas zerá-lo. Se aprofunde na história, analise cada cenário, leia cada diário encontrado. É aquele jogo que após sua jogatina a reflexão de algum momento da sua vida possa vir a ser encarado.
A gameplay do jogo é muito tranquila e intuitiva. Basicamente você será munido de uma lanterna para poder adentrar os mistérios do jogo e tem que tomar um cuidado gigantesco com isso: ao mesmo tempo que os inimigos tem a luz como ponto fraco, eles podem avista-la e assim você denunciar o local em que você esta e se lhe virem meu/minha parceiro(a), já era. O modo stealh é maravilhoso, bem perspicaz e traz ainda mais emoção ao game. É muito angustiante você tentar passar sorrateiramente pelos inimigos com o medo de ser pego e ainda a trilha da aquela ajuda marota que só aumenta o medo com a aproximação de um.
O jogo é um survival horror de altíssima qualidade que não se prende a jump scare ou qualquer comodismo de uma obra de terror. O suspense da narrativa se une a uma trilha sonora que amedronta para tornar a tensão uma companheira fiel no jogo. São diversos os momentos em que você fica angustiado, seja pela sensação de aparecer algum inimigo ou até mesmo de você não saber para onde ta indo e acabar se deparando com algo ruim.
E esse sentimento, é do inicio ao fim. Determinados momentos são extremamente agoniantes, como em um momento que você adentra um determinado local e houve os gritos de Emily pedindo ajuda, mas você só consegue avistar espaços bloqueados e fica perdido sem saber o que fazer. Enquanto isso, a prima de Sally grita: Para por favor, me ajuda! O desesperado bate você não sabe o que fazer, não sabe para onde ir, apenas quer ajuda-la, tirar ela dali, fazer com que o sofrimento pare.
E isso é outro ponto alto no jogo, o quão ele consegue o(a) jogador(a) adentrar um universo claramente fantasioso mas com temáticas extremamente reais e comover ampliando a empatia. É surreal o sentimento causado ao ler diários, ao se deparar como os manequins estão. O game é ao mesmo tempo sutil mas avassalador nisso.
O jogo em si foi bem portado para o Nintendo Switch, algumas vezes falta um pouco de detalhe em alguns inimigos, mas no geral o jogo está muito bem desenhado. O game não apela para gráficos realistas e traz um visual que cairia bem em qualquer filme da Pixar e entrega um trabalho extremamente satisfatório. O game roda bem, pouquíssimas vezes me deparei com algum bug ou algo semelhante.
Os puzzles são ótimos, bem na ao estilo de resolução Little Nightmares e bastante intuitivos. Exigem sua paciência e sagacidade mas também nada que vai lhe fazer sofrer durante horas para resolução. Algo que incomodou um pouco no jogo, foi que determinados lugares não faziam muito sentido não poder acessar.
Claro que é proposital tal dificuldade para ir em determinados lugares, até para os puzzles terem maior dificuldade, mas soou um pouco incoerente a própria personagem não poder subir determinados lugares como uma simples mesa e nem poder saltar por pequenas distâncias. E talvez isso pode soar um pouco pessoal demais, mas senti falta de mais momentos aterrorizantes com os monstros. Há muitos momentos de tensão, até com uma referência bem bacana a um momento clássico de Resident Evil, mas confesso que na interação com eles em si, alguns momentos deixaram a desejar.
Mas nada isso atrapalhou a experiência. O jogo é incrível e recomendo demais você ter essa experiência. Como dito, o game surpreende em fazer de um visual mais “fofinho” um jogo de terror de excelente qualidade com uma temática forte e delicada. Vale demais a pena conhecer.
[Nota do Editor: Gylt foi analisado a partir da sua versão para Nintendo Switch. A cópia do jogo foi gentilmente cedida pela Tequila Works para avaliação.]
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