No More Heroes - Tirem as crianças da sala!

No More Heroes – Tirem as crianças da sala!

Retorne ao jardim da loucura com Travis Towchdown, o assassino mais estiloso de Santa Destroy. Mergulhe em um mundo politicamente incorreto. Em posse da Beam Katana destrua seus inimigos e chegue ao topo.

Quando No More Heroes 3 foi anunciado na E3 de 2019, confirmamos o que Travis Strikes Again já dava indícios: a série principal estava para voltar a qualquer momento. Ofuscado pela revelação da sequela de The Legend of Zelda: Breath of the Wild no mesmo evento, No More Heroes 3 acabou sendo festejado mais pelos seletos fãs saudosistas, que conhecem bem a franquia. Após algum tempo, mais informações de No More Heroes 3 começaram aparecer (como o enigmático trailer da The Game Awards 2019), até que na ultima Nintendo Direct do ano dedicada a parceiros, foi revelado data oficial de lançamento (2021) e uma grata surpresa: no mesmo dia estava disponível no Nintendo Switch, No More Heroes e No More heroes 2: Desperate Struggle — ambos originais do Wii com gráficos em HD. Oportunidade para aqueles que não conhecem e ficaram entusiasmados com o terceiro titulo, e para os amantes de Travis, que desejavam passar pelos dois títulos novamente. Nosso ponto de partida é analisar o primeiro jogo, tal como seu desempenho no atual console da Nintendo. Portanto tire as crianças da sala, e venha conferir se o port realmente vale a pena.

Sobre No More Heroes

Desenvolvido pela Grasshoper Manufacture, No More heroes é um jogo do gênero hack ‘n’ slash, que coloca o jogador no controle de Travis Towchdown: otaku, estiloso, arrogante, anti herói e sanguinário — com o objetivo de ser o assassino ranqueado número 1 de Santa Destroy, cidade fictícia e palco da jogatina. O enredo é maluco e direto. Travis passa a maior parte de seu tempo colecionando “action figures” e assistindo animes. Situado em um Motel de quinta categoria na cidade de Santa Destroy, Travis em uma dessas aquisições “nerds” pela internet, recebe sua Beam Katana: uma espécie de sabre de Luz do Star Wars.

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Travis e suas “waifus”.

Como se não bastasse a aquisição, Travis ainda tem seu destino entrelaçado com Sylvia Christel, a bela e sensual agente da UAA (Associação dos Assassinos Profissionais), que por acaso conhece nosso anti-herói numa situação financeira terrível — sendo assim muito fácil de convence-lo a entrar no Ranking. Para seguir nesse caminho incerto cheio de matanças, Travis tem a ajuda de um ex lutador, chamado Thunder Ryu (é ele que faz Travis suar a camisa em sua academia). Travis também conta com a apoio da doutora Naomi, que cria e aprimora as Beam Katanas. Impulsionado pelo seu ego inflamado (e por dinheiro), o agora 11° assassino do ranking parte na tentativa de exterminar os outros assassinos acima nessa hierarquia, até chegar no topo. Além disso, com o passar dos acontecimentos Travis mostra a pretensão de conquistar Sylvia — a garota que faz seu coração acelerar. No More Heroes tem como marca registrada a violência explicita e cenas com conotação sexual. Destilando sua sensualidade, Sylvia não só prepara as batalhas para Travis, como também flerta com ele durante o jogo inteiro — juntos, o casal (não assumido) protagonizam cenas de humor e diálogos com duplo sentido.

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A sedutora Sylvia. Ela faz o que quer de Travis!

Conhecendo seu criador

Goichi Suda a mente insana e criativa de No More Heroes, é o exemplo claro de desenvolvedor que foge do padrão ao criar seus jogos. Suas obras quebram todos os moldes tradicionais, equilibrando seu lado sombrio com humor, visando sempre estabelecer uma identidade em cada jogo feito. No More Heroes é diferente até para o console que foi lançado inicialmente — o Wii, que muitas vezes foi rotulado como console do público casual. Suda gosta de comparar seu trabalho com o estilo musical Punk pelo sentido ideológico: inovador, não convencional. CEO e fundador da Grasshoper Manufacture, ele é popularmente conhecido por Suda51, pela tradução japonesa que se dá o seu nome quando separado sem silabas: “Go” é o número 5 e “Ichi” o número 1. Apaixonado por artes marciais, Suda faz de No More Heroes um templo de referências e inspirações — muitas vindas dos cinemas, literatura, e cultura pop.

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Suda51 no evento PAX West 2018

Jogabilidade

Logo de “cara” já somos introduzidos na primeira batalha por ranking. Começando na posição 11, Travis tem que passar por todos oponentes até chegar no chefe assassino correspondente a cada ranking, de maneira linear. Um pequeno tutorial nos ensina como manejar a Beam Katana, tal como esquivar, se defender e finalizar oponentes. No More Heroes foi projetado pensando no controle de movimentos. Quando utilizamos o Joy-Con, a sensação é bem similar a do Wimote. Com movimentos, simulamos um corte final de espada, que resulta em um banho de sangue — é natural também que cabeças rolem e inimigos se partam ao meio. Os ataques descarregam a Beam Katana, e podemos balançar o Joy-Con (de uma maneira bem sugestiva) de um lado pro outro para carregar. Apesar da imersão dos movimentos, tem muita gente que não gosta (eu sou uma delas), preferindo optar em usar outro tipo de controle, como o Pro Controller por exemplo — nesse caso para finalizar os oponentes temos que dar um toque no analógico na direção exibida, e fazer o analógico ir de um lado para o outro ao carregar a espada.

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Movimentos sugestivos, não?

Cada oponente finalizado faz iniciar uma roleta “caça níquel”, e a combinação correta faz ativar um modo especial; fazendo com que inimigos fiquem desacelerados, ou que Travis possa realizar execuções com um só golpe, além de atirar bolas de fogo e ficar mais rápido. É possível encurtar o caminho para alcançar finalizações. Para isso utilizamos golpes alternativos que nocauteiam inimigos (socos, chutes) ou através da defesa da Beam Katana que apara ataques. Toda informação de vida, bateria da espada, duração do modo especial e mini mapa são indicados na tela. Alguns baús podem ser encontrados pelo caminho, podendo conter componentes que recuperam vida e bateria respectivamente. Existem um total de 50 máscaras de luta livre que podem ser obtidas, dando a Travis movimentos diferentes de finalizações — elas ficam postadas geralmente antes de enfrentar algum chefe.

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Os especiais são deslumbrantes!

Atrações e decepções de Santa Destroy

A Cada ranking superado, Travis descansa. Sua base, é um quarto de Motel que carrega o nome do jogo “No More Heroes“. É possível visualizar pôsteres na parede sobre um anime de garotas que Travis admira, como também prateleiras com alguns de seus utensílios “nerds“. No Motel, o jogador pode optar por algumas ações, como salvar o jogo, assistir vídeos de luta na TV (para aprender novos movimentos), fazer um carinho na Jeane (sua gata), trocar de vestimenta e alternar a Beam Katana. Aliás Travis salva o jogo de uma maneira muito peculiar: sentado no seu sanitário fazendo suas necessidades. O Motel também serve para que Travis possa atender as ligações de Sylvia e da UAA, com o paradeiro do próximo assassino a ser executado.

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O jeito é relaxar e dar aquela “aliviada”.

Fora do Motel temos nosso “mundo aberto” e o primeiro problema detectado. A bordo de uma motocicleta tunada, vagamos por uma cidade imensa, mas totalmente vazia. Os elementos dos cenários como prédios e carros são genéricos e mal trabalhados. Sem contar que são poucas as ações disponíveis, como acessar missões (secundárias e principais) ou lugares que customizam visual e status de Travis. A física da cidade é precária. Carros que transitam na cidade bloqueiam a locomoção da moto, como se fossem uma parede. Se perde muito tempo pilotando até caminhos distantes, fator que atrapalha na hora de repetir várias vezes uma mesma missão para conseguir dinheiro. Além disso o loading presente a cada ação (mesmo que mais rápido nessa versão) pode incomodar após um tempo.

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Que legal esse GTA! A não, espera…

Com exceção das batalhas por Ranking, analisando as atividades, somente as customizações são animadoras — é divertido personalizar o estilo de Travis, ou comprar aquela Bean Katana poderosa. As missões secundárias de assassinatos (onde geralmente temos que derrotar hordas de inimigos, ou atingir um alvo específico) são praticamente obrigatórias, pois além de ser a fonte mais rentável do Jogo, é necessário muita grana para acessar as missões principais. Em Santa Destroy, Travis também faz alguns “bicos”. As jobs missions (assim chamadas) consistem em realizar serviços pela cidade, desde limpar muros pichados ou aparar grama. Aqui vemos mais um problema: essas missões são chatas e repetitivas, ficando bem maçantes principalmente quando se está utilizando os Joy-Cons. O pior de tudo, que é preciso passar por elas para liberar as missões que realmente engordam o bolso de Travis. Uma outra missão alternativa é a de coletar bolas pela cidade para um bêbado que fica constantemente no bar — é mais uma missão para desbloquear movimentos, que o jogador acaba por concluir na “sorte”, já que elas não estão marcadas no mapa. A trilha sonora é empolgante, mas poderia ter uma variedade maior. Apesar de retratar bem o ambiente do jogo, acabam sofrendo o mesmo problema das job missions, que repetem demais. Finalizado no modo normal, a minha sensação foi que a dificuldade diminuiu conforme avançava. Travis ficou cada vez mais forte, e passei a dominar melhor a esquiva — crucial para se dar bem no jogo. A ausência de recompensas após terminar o jogo é notória (talvez um new game + fosse bem vindo), apenas uma dificuldade maior é liberada. No More heroes me rendeu cerca de 16 horas para ser concluído, uma campanha relativamente curta, porém divertida e suficiente.

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A vida não é fácil, né Travis?

Design, desempenho e chefes

Os gráficos sombreados estilo “cell-shading” (agora convertidos para HD) continuam não muito bonitos, mas traz uma experiência visual impressionante, principalmente quando Travis finaliza seus oponentes — isso se dá pelo contraste da cor viva do sangue que jorra, em meio a um cenário sem vida e pouco animado. Na disputas para subir de ranking, o chefes são um show a parte, podendo ser considerados como o ponto alto do jogo. Criativos e sádicos, toda curiosidade que desperta no jogador são em torno deles — personagens de personalidade forte que não tem suas histórias reveladas por completo. Cada chefe apresenta alguma artimanha para dificultar a vida do jogador, portanto é necessário avaliar cada situação, agir com cautela, e aproveitar os momentos de vulnerabilidade que eles apresentam. É importante engrandecer o trabalho que foi realizado pela equipe de dublagem. As vozes são marcantes para chefes e personagens como Sylvia. Nesta versão do Nintendo Switch, o jogo foi portado exatamente como o original, sem censura relacionada a violência. Isso é importante para o jogador decidir o quão No More Heroes pode impactar nos dias de hoje. Infelizmente legendas em português não foram implementadas. O desempenho do port é ótimo rodando a 60 fps tanto no modo portátil, como na dock. Em modo portátil, a tela menor esconde alguns serrilhados e vestígios do tempo, passando a sensação de um jogo mais atraente que na TV.

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Luta de espada contra uma colegial me lembra alguma coisa…

Referências

No More Heroes é recheado de referências, a maioria remetem o gosto pessoal do seu criador, Suda51. Para o estereótipo de Travis, Suda se inspirou em Jonnhy Knoxvile, ator e dublê mais insano de todos os tempos. Famoso pela série Jackass (MTV), Jonnhy sempre desafiou o perigo, com suas acrobacias e maluquices realizadas no programa. Já Sylvia teve como base a premiada e bem paga atriz do cinema americano, Scarlet Johanssen. Henry, personagem enigmático que aparece no decorrer do jogo, foi inspirado no vocalista Ian Curtis, da banda de Punk/Rock inglesa, Joy Division. Curtis é lembrado por sua canções obscuras, e compartilha de uma mesma paixão que Suda51: a literatura de Kafka. Infelizmente, problemas pessoais levaram Curtis a morte muito cedo — suicídio aos 23 anos, ocasionando o fim da Joy Division.

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Johnny Knoxville: aqui tem coragem!

El Topo, filme faroeste produzido no México em 1970 inspirou o enredo de No More Heroes. No filme, o protagonista parte em uma aventura surrealista, tentando alcançar o posto de o mais rápido do Oeste (lembrando o o Ranking de assassinos). A Beam Katana por incrível que pareça não saiu de Star Wars, e sim do filme Spaceballs de 1987 — uma sátira de Star wars, Planeta dos Macacos e Alien. A moradia de Travis é inspirado no Motel que aparece no filme Amnésia, escrito e dirigido por Christopher Nolan. Santa Destroy é baseada em San Diego, retratada no filme Dirty Harry de 1971. O filme narra Clint Eastwood no papel de um policial fora da lei, que decide fazer justiça com as próprias mãos. Ainda referenciando o cinema, podemos ver algo de Quentin Tarantino. Um dos especiais de Travis, o colocam em uma tela preto e branco, lembrando a icônica cena de luta em Kill Bill: Volume 1 — a diferença aqui é o contraste com a cor vermelha do sangue dos inimigos ao serem executados.

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Uma Thurman gostou disso!

Os games antigos também são referência. Efeitos sonoros, ícones e menus pixelados, mostram o apreço que Suda tem pela era 8 bits. As artes marciais que Suda aprecia podem ser encontrados nas máscaras de luta livre, ou mesmo na trilha sonora; na academia de Thunder Ryu é possível notar que uns dos treinamentos de Travis são ao som da canção Eye of Tiger (o “hit” que virou símbolo do boxe), um pouco modificada talvez pela política de direitos autorais.

Conclusão

No More Heroes é um jogo que pode não agradar a todos, principalmente os mais conservadores. Mas é de se concordar que o humor sombrio de Suda, misturados com a luxuria e ganancia de seu personagem é algo que não se vê todo dia na indústria. Jogos assim não são feitos para serem populares, mas sim para tirar o jogador da zona de conforto. A jogabilidade é competente o suficiente para elevar o fator replay. Apesar dos problemas técnicos em relação ao mundo aberto que atrasa a gameplay, o jogo apresenta mais prós do que contras. Cada jogador decide por si próprio, se No More heroes envelheceu bem ou não.

No More Heroes pode ser adquirido na eShop americana pelo valor de $19.99. Ainda não há noticias a respeito de um possível lançamento em mídia física. Vale lembrar também que o jogo tem a classificação etária “M” (Mature: não recomendado para menores de 17 anos).

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[A coluna acima reflete a opinião do redator e não do portal Project N]

Admirador do gênero RPG e treinador Pokémon da década de 90. Acredita que música e vídeo games são as válvulas de escape da vida.