De todas as aventuras em 3D de Mario, nenhuma é tão polêmica quanto Super Mario 3D World, lançado para o WiiU em 2013. Apesar de aclamadíssimo pela crítica e muito aproveitado pelos fãs em seu lançamento, o título hoje em dia é descrito por muitos como o exemplar inferior dentro do catálogo em três dimensões do encanador italiano.
Em minha experiência pessoal, posso dizer tranquilamente que 3D World é um dos jogos mais importantes de minha vida (inclusive tendo sido um dos estudos de caso no meu TCC sobre level design). Tomo este momento, aliás, para garantir aos fãs do jogo que também farei um texto enaltecendo seus (muitos) pontos positivos.
Do ponto de vista analítico, porém, é perfeitamente claro que o jogo toma certos partidos que desagradaram uma parcela do público, e aqui iremos falar sobre tais características e debater sobre os motivos pelos quais o game é tão controverso entre os nintendistas. Comecemos.
Obs: sempre que os jogos em 2D do Mario forem mencionados, considerem incluso também o jogo Super Mario 3D Land. Não que sejam indiferentes, mas para fins dos argumentos aqui levantados, 3D Land também possui as características debatidas, porém como o próprio já tomava os jogos em 2D como principal influência, é melhor já colocá-lo no mesmo “balde” argumentativo do que citar seu nome repetidas vezes ao longo do texto.
Mecânica Própria e Gimmicks
Super Mario 3D World é menos imediatamente reconhecível do que qualquer outro jogo em 3D de Mario. Isso ocorre porque, do ponto de vista mecânico, o jogo não possui uma gimmick própria tão clara quanto os outros da série. Dizer isto não é de maneira alguma negar as inovações do game ou dizer que o mesmo não possui características próprias, mas sim atentar ao fato de que nenhuma dessas características define o jogo em seu coração e a sua jogabilidade.
A fim de ilustrar meu ponto, consideremos o fato de que 3D World é muito mais difícil de se definir em uma frase do que, digamos, Super Mario Sunshine, que é “o jogo da praia” ou “o jogo do jato de água”, e é justamente neste resumo que pegamos as características marcantes de um jogo, a fim de referenciá-lo imediatamente. 3D World seria “o jogo do gato” ou “o jogo do multiplayer” mas nenhuma dessas frases define a jogabilidade em seu núcleo, já que o power-up Cat Mario é apenas um de muitos os que aparecem e o multiplayer não é obrigatório para a aventura.
3D World não é “o jogo da praia”, não é “o jogo do castelo”, e nem “o jogo do espaço”. 3D World é o outro lá, que tem o gato e a cereja que multiplica e tem fases lineares. Sendo um apanhadão de (boas) ideias, 3D World tem uma identidade própria menos marcante do que os outros títulos da série.
Identidade Visual
Justamente por ser um grande apanhado de ideias, 3D World possui uma identidade visual menos coesa ao longo de seu percurso. Isto não é uma crítica à direção de arte, muito menos aos gráficos do jogo, pois o visual é constantemente excelente ao longo de toda a aventura. Porém, por tomar este partido de conferir a cada fase um tema distinto, a experiência visual atua menos como um conjuto e mais como um festival de lugares diferentes (ainda que todos eles sejam espetaculares ao olhar).
Outros jogos da série se beneficiam de características gerais que permeiam a maioria de seus levels, como o tema praiano de Sunshine que já abordamos ou a constante visão do vazio do espaço sideral na série Galaxy.
Claro que um contra-argumento a este ponto seriam os jogos 64 e Odyssey, que, assim como 3D World, apostam na variedade e tratam suas fases como ambientes coesos apenas dentro de si mesmos, e não em conjunto, porém o primeiro tem em si o benefício de ter sido revolucionário em seu tempo, o que lhe trouxe na época um reconhecimento instantâneo.
Retrospectivamente, o jogo já envelheceu a ponto de ter características visuais únicas (justamente por serem ultrapassadas), tornando-se um jogo de visual marcante, mesmo que por tabela. Super Mario 64 ocupa, então, uma posição curiosa e única na franquia, pois foi instantanemente reconhecível em seu tempo por ser um lançamento revolucionário, e o é até hoje por já ter envelhecido e ter sido ultrapassado visualmente por seus sucessores.
Já Super Mario Odyssey cria ambientes tão grandes e massivos que implicam numa mudança de foco no design visual. Nele, o que mais importa é uma sessão X de um reino ser estéticamente coerente com uma sessão Y daquele MESMO reino, e não com outros levels do jogo. Além disso, o jogador passa muito mais tempo em um só reino de Odyssey do que em uma só fase de 3D World, o que contribui muito para a sensação de coesão daqueles “universos próprios” que são os reinos.
Apresentação e Emoção
Apresentação é muito diferente de emoção, mas creio que em 3D World, ambos os elementos contribuem para uma experiência menos envolvente para o jogador do que nos outros jogos da série. Em Galaxy, o jogo já começa com uma festa gigante interrompida por Bowser, em seu plano de proporções cósmicas, e em Odyssey o jogador já é introduzido à aventura no meio de uma forte briga entre Mario e o vilão.
3D World vai por uma linha menos épica e mais cômica, com uma cutscene inicial que mais lembra os jogos 2D e apela mais ao cômico do que ao ameaçador. E assim, o jogo vai ao longo de todo o seu curso, mantendo essas mesmas influências.
Mais inspirado nos jogos 2D do que nos seus antecessores em três dimensões, 3D World cria em seu entorno uma atmosfera não de aventura grandiosa, mas sim de um passeio maluco e psicodélico por terras cartunescas. Uma alternativa super válida, se pedirem minha opinião, mas também um caminho que cria experiências menos focadas em envolvimento do que em diversão. O investimento emocional do jogador é menor em 3D World pois a aventura é em si apresentada de maneira mais cartunesca e menos intimidante.
Outro elemento em que 3D World toma mais lições dos jogos em 2D do que os tridimensionais é na tensão. Em todo seu trajeto, 3D World mantém a emoção no mesmo nível, sem momentos grandiosos nem reviravoltas trágicas, como por exemplo o bombardeio da nave Odyssey no meio do jogo em Super Mario Odyssey. Em vez disso, sua progressão é sempre constante, sem grandes pontos enfáticos da narrativa, sustos ou embates épicos.
A câmera é outro fator que subtrai do potencial emocional do jogo. Em Super Mario Galaxy, apesar de não controlarmos a câmera, o jogo sempre a posicionava estrategicamente para causar momentos de surpresa, como por exemplo um segredo no lado de baixo de um planeta em que Mario estava, ou em outros momentos apenas explorando a natureza esférica dos ambientes. Sempre se descobria coisas a cada esquina, o que contribuía para a sensação de imprevisibilidade do que estava por vir. Em Sunshine, o jogo atinge este objetivo tendo uma câmera livremente manipulável, e Super Mario Odyssey leva este parâmetro a outro patamar, com surpresas a todo vapor por todo seu percurso.
Já em 3D World, a câmera possui poucos ângulos disponíveis e está sempre à mesma distância dos personagens, o que cria aquela sensação de mesmice de pique em todas as fases. Em vez de sermos surpreendidos, quando passamos pelas fases estamos sempre esperando pelos próximos desafios, o que torna, na mente de quem joga, a experiência mais parecida com um circuito de obstáculos do que com uma aventura por lugares habitados e críveis.
Se em Odyssey é muito provável descobrirmos algo virando a câmera em 180 graus e percebendo que há outra sessão da fase que nos tinha passado completamente despercebida, em 3D World estes momentos são, por definição, impossíveis.
Uma câmera mais distante e menos controlável torna o trajeto mais impessoal, mais neutro, o que ajuda a criar aquela sensação de ausência de tensão e imprevisibilidade, e é um forte bloqueio para momentos memoráveis e únicos. Menos lembranças “individuais” do jogador são criadas em 3D World do que nos outros jogos. O trajeto é o trajeto, e ele pouco varia de jogador para jogador, o que tira um pouco daquela mágica de experienciar o universo do game de maneira singular, imersiva e, portanto, especial.
Considerações finais
Super Mario 3D World é um grande jogo, e uma experiência que eu recomendo para todos os fãs da franquia, porém é também um jogo que priorizou a criatividade dos levels e a diversão de seus trajetos em relação a todos os outros aspectos da franquia. E nestes aspectos priorizados, sucede com louvor.
O problema é que, neste processo, o jogo sacrificou a própria individualidade e elementos que personalizam a jornada e proporcionam uma imersão muito maior, e o resultado destes sacrifícios é o fato de que a experiência de jogá-lo é menos impactante, pessoal e memorável, o que leva a uma sensação mais morna do que aquela causada pelas outras aventuras da série.
Apesar de eu discordar de tal descrição, não é à toa que muitos fãs consideram este jogo “só mais um” do Mario. Para estes fãs, o que ficou faltando no game foi aquele envolvimento emocional e carinho especial para com os personagens e a aventura em si, em uma franquia que sempre teve como ponto forte o carisma e a graciosidade.
Todos estes fatores somados ao fato de que o game foi lançado para o WiiU, o console mais problemático e menos vendido da Nintendo em gerações, impediram 3D World de deixar um legado tão marcante na série quanto seus outros títulos em 3D.
Reitero, porém, que este é um jogo injustiçado, que, apesar de não cumprir com as expectativas de grande parte dos jogadores, não merece ser descreditado ou esnobado. Há aqui muito mérito e muita criatividade, e, em suas diferenças, o título se tornou uma experiência peculiar no panteão da série Super Mario, e por isso continuarei esta discussão com um novo texto listando as muitas qualidades do jogo. Nos vemos lá!
Deixar uma resposta